Durante o dia, escrevo, folheio, reorganizo livros, instalo as novas aquisições, transfiro seções inteiras por conta do espaço. Os recém-chegados recebem as boas-vindas depois de um estágio probatório. Se o livro é de segunda mão, deixo intactas todas as marcas, os rastros de leitores prévios, companheiros de viagem que registraram sua passagem por meio de comentários rabiscados, um nome na página de rosto, um bilhete de ônibus marcando determinada página. Velhos ou novos, o único sinal de que sempre tento livrar meus livros (em geral com pouco sucesso) é a etiqueta autocolante de preço que livreiros malévolos pregam nas contracapas. Aquelas crostas brancas e daninhas saem com dificuldade, deixando feridas leprosas e trilhas grudentas às quais aderem o pó e a lanugem do tempo, fazendo-me desejar que seu inventor seja condenado a um inferno especial, viscoso.
Alberto Manguel, A Biblioteca à Noite. Companhia das Letras, 2006, p. 23-24. Tradução de Samuel Titan Jr.
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