Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de setembro, 2013

São Jerônimo

Hoje é o dia do tradutor, justamente por ser dia de São Jerônimo. Por encomenda do Papa Dâmaso, traduziu a Bíblia do grego para o latim - a Vulgata. A importância do feito, para a difusão do livro e do cristianismo Europa afora dispensa maiores comentários. Virou o padroeiro dos tradutores. Ele também é considerado o pai da "leitura silenciosa". Santo Agostinho fala da surpresa ao encontrá-lo quieto num canto, olhando atentamente para seu texto, sem emitir um único som. Nesta época, a leitura era um ato eminentemente público. E São Jerônimo a traz para um ambiente privado. É dessa época, também, que começam a surgir símbolos gráficos que ajudam a leitura, o que, de certa maneira, liberta o leitor da voz. Graças a ele, você pode ler seu bom livro em paz num café, sem ser empesteado por um sujeito ao seu lado lendo em voz alta um Dan Brown da vida... Viva São Jerônimo. E feliz dia do tradutor.

Conto da semana, de Semezdin Mehmedinovic

Hoje, ao que parece, era o dia em que eu deveria morrer. O conto My Heart, do bósnio Semezdin Mehmedinovic (1960) está na edição de 2013 da BEF, mas também apareceu na revista Granta, 120 (Medicine), de 2012. É o conto da semana, numa semana bem estranha... Aqui, o narrador, um bósnio, Mehmedinovic, de 50 anos, conta sobre seu ataque cardíaco durante o banho, em 2 de novembro de 2010, num texto que quase nos convence como autobiográfico. A trajetória do narrador, inclusive, é a mesma de Mehmedinovic - voou de Zagreb para Phoenix, Arizona, em 1996. E logo nosso quarto estava cheio de estranhos do serviço de emergência (...) Nunca experimentei assalto tão agressivo à minha privacidade. Reclama de sua condição assexuada. Ele identificou uma garota do serviço médico, e o que mais o revoltou foi a constatação de que seu corpo era, naquele momento, um objeto sem emanação. Lembra-se imediatamente de Christopher Hitchens.  E uma outra impressão: os corpos de todas essas p

O baile de Sceaux, Balzac

Seguindo a Comédia Humana de Balzac, na edição organizada pelo Paulo Rónai (mas não por ele traduzida; no caso desta novela, por Vidal de Oliveira) e publicada pela Globo, vamos ao Baile de Sceaux. A novela, passada entre 1815 e 1825, não é daquelas mais lembradas quando se fala em Balzac. Como o próprio Rónai disse, comentando outro texto da Comédia, não se poderia esperar algo diferente de um sujeito que se deu ao despeito de escrever obras-primas como Ilusões Perdidas, Eugène Grandet entre outros. Pode ser lida de várias formas; como já se disse em diversos lugares, é uma história "edificante", que mostra a punição dada pela vida a Emília que, depois de passar anos rejeitando caprichosamente seus pretendentes, acaba tendo de se casar com o primeiro que lhe aparece. Ela queria a todo custo se casar com um "par" do reino. Estamos num período de restauração da ordem monárquica, e seu pai, o conde de Fontaine, é um fiel servidor da casa dos Bourbons.

Conto da semana, de Varlam Chalámov

Por pouco a semana não acaba sem seu conto... Varlam Chalámov (1907-1982) passou 22 anos em um gulag. Desta experiência pavorosa surgiram os Contos de Kolimá , publicados inicialmente como samizdat  na Europa ocidental. Morreu cego e surdo, num hospital psiquiátrico, onde foi internado contra a sua vontade. O conto da semana - Xerez - integra a Nova Antologia do Conto Russo, da editora 34. Foi traduzido diretamente do russo por Nivaldo dos Santos. Mas se, como era evidente, não lhe caberia ser eterno numa imagem humana, como unidade física, ao menos ele mereceria a eternidade artística. Chamaram-no de primeiro poeta russo do século XX, e ele sempre achou que realmente o era. Acreditava na eternidade de seus versos. Não teve seguidores, mas acaso os poetas os suportam?  Sim, o conto é uma homenagem ao poeta Ossip Mandelstam (1891-1938), preso na década de 30 nos expurgos stalinistas, morto em um gulag e reabilitado em 1956. No conto, os últimos instantes do poeta, algo

As apostas para o Nobel de Literatura 2013

A  Ladbrokes  colocou Mo Yan em 4º lugar nas apostas para o Nobel. Para 2013, até agora, os principais "candidatos" são Murakami (ele já estava em primeiro no ano passado), Joyce Carol Oates, Peter Nadas (húngaro que também estava entre os favoritos), Ko Un e Assia Djebar (argelina, de quem nunca ouvi falar). Alice Munro está em sexto. Adonis e o eterno Philip Roth vêm em seguida. A julgar pelos últimos anos, o laureado será um dos nomes acima.  Ferreira Gullar é o único brasileiro na lista (101.00 para cada 1 apostado).

Europa: Mil anos em três minutos

Dá para imaginar o que ainda vem por aí?

Crítica da falta de razão impura - Kant na fila para comprar cerveja

Inacreditável. De acordo com a notícia, que pode ser lida, em inglês,  aqui ,  dois russos, na cidade de Rostov, estavam numa fila para comprar cerveja quando começaram a discutir sobre Kant. A discussão foi ficando cada vez mais quente, e terminou com um dos jovens atirando, com uma arma não letal, no outro. Isto parece ter saído de um filme do Monty Python. Aliás, daria um conto dos bons...

Conto da semana, de Lasha Bugadze

O conto da semana é do georgiano Lasha Bugadze (1977) Incluído por Hemon na edição 2013 da BEF, o autor traz uma história curiosa sobre um escritor que recebe um telefonema de uma leitora. Uma adolescente. Ela diz admirar seus livros, o que o deixa evidentemente satisfeito. Mas o real objetivo do telefonema é conseguir encontrar com Bakar Tukhareli, algo que não seria tão insólito não fosse o distinto um dos personagens de seu romance Os Pecados do Lobo. Inicialmente, ele realmente acredita tratar-se de uma piada. Mas aos poucos percebe que não será fácil livrar-se deste inconveniente. Juro pela minha própria vida que Bakar Tukhareli não é uma pessoa real. Não há nada pior que um leitor cego pela fé. Imagina que ninguém acreditará no seu relato. Num programa de rádio, o escritor conta esta história - isso só poderia acontecer se ela jamais tivesse lido um livro. E a discussão prossegue - não seria, no fundo, esta jovem a leitora ideal? Talvez seja assim que as p

Daniil Harms no Brasil

A Editora Kalinka publica pela primeira vez no Brasil um volume dedicado a Daniil Harms (1905-1942). A tradução é direta do russo.   Aqui, uma entrevista com a editora e uma das tradutoras Daniela Mountian,

Vidas Provisórias, de Edney Silvestre

Vidas Provisórias Edney Silvestre Editora Intrínseca, 2013 240 p. Depois de dois romances pela Record, Edney Silvestre lança este terceiro pela editora Intrínseca. Abaixo, o booktrailer: - Quando chegar a Santiago você se vira, com seus amigos comunistas que fugiram para o Chile. Vai dar aula, vai cantar nas esquinas, pede uma pensão de exilado, se vira, Neguinho. E foda-se. Enfiou o capuz de novo na cabeça do irmão. Paulo ouviu seus passos saindo da sala, a porta se abrindo e batendo. Seria a última vez que veria seu irmão, pensava. Estava enganado. Paulo é um dos meninos de Se eu fechar os olhos agora;  adulto nos anos 70, acaba preso, torturado e finalmente exilado. Mora na Suécia, onde conhece Anna, da Anistia Internacional, mas continua assombrado pelo que viveu no Brasil. Acaba casando e tendo dois filhos, Edward e Joseph.  Num corte de décadas, a outra personagem é Bárbara - que apareceu em A felicidade é fácil. Exilada, também, mas de outra

Conto da semana, de Edgard Telles Ribeiro

O conto da semana é do escritor e diplomata brasileiro Edgard Telles Ribeiro (1944), que foi publicado na edição de setembro da Words Without Borders e pode ser lido  aqui. Señor Capitán trata de um relato feito por um advogado ao narrador. Ele conta uma história que vivenciou no início de sua carreira de criminalista. Estava numa visita à prisão central quando ouve um grito de uma cela próxima  - mataram um dos detentos, que era traficante de imigrantes na rota para a Flórida. O advogado a meu lado encolhe silenciosamente os ombros. Com o gesto parece dizer: Certas histórias não cabem em palavras. Ainda assim, faz um esforço. Para tornar sua narrativa mais aceitável, afrouxa o nó da gravata e passa a falar devagar, sincero e cansado. Conversamos há algum tempo no bar do hotel. Balançando o copo de conhaque entre os dedos abertos, dispõe-se a contar um episódio vivido em tempos passados, quando ainda morava na República Dominicana, sua terra natal. Um sujeito cruel ao