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Mostrando postagens de maio, 2016

Dom Quixote - III

Um diálogo entre Shakespeare e Cervantes, de acordo com  David Kipen: So the first one says, "Let's you and me have a drink and invent modern literature." The second one answers, "OK, but the better writer's buying." First one says, "How do we know which one of us is better?" And the second one says, "I've heard the good die young. Whoever dies first is better."

Os cafés e Claudio Magris

Na obra Danúbio , fala dos cafés de Viena, Budapeste ou Lviv como símbolos da Europa. Diz: “Os cafés são a Europa”. O que nos dizem os cafés de hoje sobre a Europa? Antes de mais, deixe-me dizer que Danúbio é um romance disfarçado, não um livro de História. Não se pode tomar literalmente. Essas afirmações são metáforas, o que significa que são ao mesmo tempo verdades e mentiras. Nessa passagem transparecia um sentimento de decadência fascinante, mas também uma dimensão que não é só de solidão individual, nem do apagamento do indivíduo na multidão. É a relação do individual com a dimensão pública. Os cafés são uma versão moderna da ágora grega. Locais onde se misturam trabalho e lazer, onde nos entregamos a certas rotinas, a certa preguiça, a certa reflexão, e onde podemos ler, discutir, e depois escrever. Isto nem sempre existe nas cidades de hoje, com o ritmo de hoje. A entrevista completa com Claudio Magris, autor do excelente Danúbio, no Jornal Público, pode ser lida

Vive la France

Ao contrário do que se diz e escreve, a literatura francesa não está decadente. Trata-se de uma falsa impressão causada pela globalização editorial. É o que diz Alberto Manguel, em artigo no Babelia de ontem, dia 21. Se antes se lia Camus, Sagan e Céline, agora temos Carrère, Echenoz e - horresco referens, nas palavras do autor, Houellebecq. Qual sua opinião?

O negociante de inícios de romance, de Matéi Visniec

  ' Hoje, a mãe morreu'. Você acha mesmo que uma asserção assim tão simples pode sair da mente de um escritor? Asseguro-lhe que não. Escritor é, por regra, pessoa complicada, dilacerada intimamente, contorcida, cheia de contradições, consumida por ambições, muito pouco generosa, se bem que se inflame com a ideia de humanidade. Não, lhe asseguro que Albert Camus nunca teria começado o romance O Estrangeiro com essa frase se não a tivéssemos fornecido nós. Aliás, nem sequer teria escrito esse romance num estilo tão simples, tão linear, tão confessional, visando a maior credibilidade, se não lhe tivéssemos oferecido, nós, o ponto de partida, se não tivéssemos aberto, nós, esta miraculosa portinhola. 'Hoje, a mãe morreu'. Vários foram os clientes dessa organização: Thomas Mann, Kafka, H.G. Wells, Melville... O misterioso negociante, Guy Courtois, membro de uma organização de mais de trezentos anos, está estudando um jovem aspirante a escritor romeno. P

Boris Schnaiderman (1917-2016)

  Nascido na Ucrânia, chegou ao Rio em 1925, era o mais novo dos grandes tradutores que o Brasil "ganhou" com o nazismo e a Segunda Guerra (lembrem-se de Paulo Rónai, Herbert Caro etc). Quando criança, assistiu às gravações d' O Encouraçado Potemkin , de Eisenstein. E participou como sargento da FEB, entre 1944 e 1945. Devemos a ele o fim das traduções dos clássicos russos "a partir da versão francesa" , que destruía Dostoievski, Tólstoi, Pasternak, Puschkin, Tchekov... O governo russo reconheceu seu trabalho em 200, outorgando-lhe a Medalha Puschkin. Iniciou o curso de Língua e Literatura Russa na USP, que hoje produz excelentes tradutores - situação privilegiada do Brasil, quem diria...

Memórias Secretas (2015), de Atom Egoyan

Boa parte da crítica torceu o nariz. Chegou a afirmar que se trata de um péssimo filme. Não é, não. O último de Atom Egoyan vale muito a pena. Há alguns problemas e furos no roteiro do estreante Benjamin August - o vendedor da arma que não se importa com o fato de o comprador estar claramente senil e confessar que se esquece das coisas, por exemplo - mas que, honestamente, não comprometem o filme como se tem afirmado por aí. Zev Guttman (Christopher Plummer) acaba de perder a esposa Ruth. Vive num asilo nos EUA. Seu amigo Max Rosenbaum (Martin Landau), de cadeira de rodas e problemas respiratórios, convence-o a executar a suprema vingança de suas vidas: matar Rudy Kurlander, líder de bloco em Auschwitz e destruidor de suas famílias. A partir daí, Zev localiza "quatro" Rudys. Evidentemente, vai percebendo que não se trata do Rudy procurado. O primeiro é o papel de ninguém menos que Bruno Ganz. O "terceiro", por exemplo, era um simples cozinheiro do exé

Dom Quixote - II

 Mas que livro é esse que está junto dele? – A Galatea, de Miguel de Cervantes – disse o barbeiro. A destruição da biblioteca de Dom Quixote é encarada pelos seus autores como uma boa ação em prol da saúde mental do leitor. É um dos mom entos capitais da história e tam bém um dos mais divertidos . Novamente Cervantes aparece não como o autor, mas um personagem . O barbeiro e o cura, ao decidirem quem iria ao fogo e quem seria salvo, destacam "um livro que propõe algo e não conclui nada". E esperam pela segunda parte - que jamais seria publicada. Apesar disso, e com Amadís de Gaula (o melhor livro sobre cavalaria, disse o barbeiro) e  o clássico catalão  Tirant lo blanc,  Galatea, de Cervantes, é salvo -  C ervantes , afinal, é grande amigo do cura . Todo o resto apenas le vou o fidal go à l oucura e, portanto, deveria ser eliminado .  Massimo Bontempelli (1879-1960) criou o barão Raimundo della Valle, que  dedicou sua curta existência a "coleci

Dom Quixote I

Comprei essa edição numa livraria de Brasília, no distante 2005, ano do 400º aniversário da publicação da Primeira Parte. Resolvi ler agora, no ano do 400º aniversário da morte física de Cervantes. Uma edição com direito a glossário, uma infinidade de notas explicativas e vários estudos - incluindo um artigo de Vargas Llosa.  Agora saíram diversas edições brasileiras. A Companhias das Letras, a 34 e, agora, uma da Nova Fronteira (com direito às ilustrações de Gustave Doré). Um livro sobre a própria literatura. Já no prólogo, Cervantes se diz não o pai da história que conta, mas seu padrasto.  Pero yo, que, aunque parezco padre, soy padrastro de don Quijote , no quiero irme con la corriente del uso, ni suplicarte casi con las lágrimas en los ojos, como otros hacen, lector carísimo, que perdones o disimules las faltas que en este mi hijo vieres. E, no episódio do vizscaíno (bas

História secreta de Costaguana, de Juan Gabriel Vásquez

O l eitor de Joseph Con rad não leva mais de cinco segundos para associa r este  Hist ó ria secreta de Costaguana, do colombiano J uan Gabriel Vás quez (1973), a Nostromo.  Aparentemente, trata-se de um romance histórico, sobre a constru ç ão do Canal do Panamá e a inde pendência da província da Colômbia. Mas esse é apenas um aspecto da obra - e não é o mais impo rtante . Sim, há a reconstrução de todo um período; Vásquez se refere ironicamente àquel a Mierda de lugar . E, muitas vezes, há um excess o de inf ormaçõ es hist óricas qu e atrapalha a le itura. Ma s há algo que escapa desse rót ulo. Sim, a narra tiva é sobre a história a Colômbia, mas é também sobre a relaçã o entre o homem e a História. E aqui o romance cresce. José Altamirano, o narrador, acredita cegamente no progresso. Duran te a construção do canal, e a despeito dos terremotos, das chuvas, das febres, das guer ras e dos mosq uito s, que te imam em dete r o avanço da humanidade -  segue oti