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Mostrando postagens de outubro, 2013

Revista Samizdat nº 38 - O Mestre Machado

Acaba de sair a edição nº 38 da Revista Samizdat. . Nela, minha entrevista com David Dephy - suas influências literárias, seu romance Os jardins e o Pandemônio e sua relação com Laurie Anderson e Salman Rushdie, que o levaram a Nova York e ao público americano. Neste número: ENTREVISTA David Dephy Gogibedashvili AUTOR EM LÍNGUA PORTUGUESA A Cartomante, Machado de Assis Luíza, Trindade Coelho AUTOR CONVIDADO ELA, Sérgio Tavares CONTO A Estátua sem Rosto, Joaquim Bispo Eu sou o amor, dele..., Rafael F. Carvalho Uma Vida, Rodrigo Zafra A História da Aurora, Japone Arijuane Rebeca, Alive Viana Ela, despindo-se na noite, Carlos Eduardo Paulino Murta Café Vai tricô e vem meia, Cinthia Kriemler A Salvação da Lavoura, Zulmar Lopes Perfume de Mulher, Lionel Mota TRADUÇÃO Queda que as mulheres têm para os tolos, Victor Hénaux ARTIGO O Mito do Bestseller Brasileiro, Henry Alfred Bugalho TEORIA LITERÁRIA O Sonho de Lancelot: Pess

Desnorteio, de Paula Fábrio

Desnorteio Paula Fábrio Editora Patuá, 2013 140 p. Um dia a menos. Outro dia a menos. Um dia a menos. Outro dia a menos. Tudo o que se viveu. O tempo que nos resta. Ninguém faz essa conta aos quinze anos. Será que nos abandonamos à loucura num momento de contabilidade? Talvez tenha sido no inverno que os três irmãos Oliveira se tornaram mendigos, mas o primeiro desvario pode ter acontecido em outra estação. À noite, por certo. Na noite frágil dos nossos pensamentos as possibilidades se alargam. Amor, loucura e morte não se explicam, mas o percurso até eles tem sua dose de encanto e repugnância. E esta história começa no meio desse caminho. Mais precisamente no vagão da segunda classe de um antigo trem da estrada de ferro sorocabana. Um jovem ainda sem barba nem bigode estremece ao ouvir o nome da próxima estação. Sem meios de compreender aos seus instintos, o rapaz só consegue se lembrar que há horas não coloca nada no estômago . É o primeiro romance de Paul

Das leituras obrigatórias

As leituras obrigatórias têm uma importância pedagógica enorme. Os alunos precisam aprender literatura e interpretação de textos na escola, e ler é sem dúvida a melhor maneira de fazê-lo. Dito isso, não é difícil perceber que obrigar um aluno a ler um livro e fazer uma prova sobre ele é uma péssima maneira de incentivar a leitura. Muitos desistem do livro após a formatura. Outros até voltam a ler, mas deixam de lado os autores que a escola lhes forçou goela abaixo. É raro ver um adulto lendo Machado de Assis, por exemplo. A ironia refinada de um dos maiores escritores da história do país é desperdiçada em adolescentes que leem resumos de seus livros, decoram nomes de personagens, respondem a perguntas de vestibular e, depois, esquecem-se dele para sempre. O lirismo de Manuel Bandeira torna-se uma chatice insuportável quando somos obrigados a nos comover com ele. Até o humor de Macunaíma perde toda a graça. O artigo de Danilo Venticinque pode ser lido  aqui.  Sobrevivi a todos os p

Conto da semana, de Zarko Kujundziski

O conto da semana está na BEF 2013 - na próxima semana será lançada a edição de 2014, desta vez editada pelo John Banville. When the Glasses are Lost.  O autor é Zarko Kujundziski (1980), que narra um incidente num elevador, que fica parado por toda uma noite. Os trechos foram traduzidos "livremente" (se é que isso existe) por mim. Era um verão escaldante quando, de repente, tudo parou. A pequena menina e seu pai empalideceram; talvez o pai estivesse ainda mais apavorado que a menina. Ela não era capaz de reconhecer o medo real, nem estava a par do perigo da situação (...) Personagens sem nome, presos num elevador por muito tempo - passam a madrugada inteira nele, sem saber exatamente o que lhes irá acontecer. Os outros passageiros começaram a mostrar que a temperatura, que deveria ser regulada pelo sistema de ventilação, estava aumentando em ondas, cada uma ainda mais insuportável que a última; eles tinham que fazer algo a respeito. O conto aborda como

Eduardo Lacerda, editor-poeta-artesão

Uma interessantíssima matéria sobre Eduardo Lacerda e a Editora Patuá, parceira de primeira hora do blog. O que eu quero é ter liberdade de fazer coisas como publicar o primeiro livro de um menino que eu acredito. Isso é ser uma editora independente - afirma Eduardo, editor-artesão.

Millôr e a Matemática

Mais uma do Millôr.  Às folhas tantas do livro matemático um Quociente apaixonou-se um dia doidamente por uma Incógnita. Olhou-a com seu olhar inumerável e viu-a do ápice à base uma figura ímpar; olhos rombóides, boca trapezóide, corpo retangular, seios esferóides. Fez de sua uma vida paralela à dela até que se encontratam no infinito. "Quem és tu?", indagou ele em ânsia radical. "Sou a soma do quadrado dos catetos. Mas pode me chamar de Hipotenusa" E de falarem descobriram que eram (o que em aritmética corresponde a almas irmãs) primos entre si. E assim se amaram ao quadrado da velocidade da luz numa sexta potenciação traçando ao sabor do momento e da paixão retas, curvas, círculos e linhas sinoidais nos jardins da quarta dimensão. Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas e os exegetas do Universo Finito. Romperam convenções newtonianas e pitagóricas. E enfim resolveram se casar constituir um lar,  mais que um lar,

Jerônimo e Ambrósio

Uma gafe eclesiástica foi cometida pela Biblioteca - afinal, São Jerônimo é o padroeiro dos tradutores, mas foi Santo Ambrósio quem espantou Santo Agostinho na sua leitura silenciosa... Uns séculos antes e eu ia para a fogueira.

Conto da semana, de Thomas Bernhard

Sim, ele de novo. Thomas Bernhard (1931-1989), Borges, Gonçalo Tavares aparecem, e aparecerão, com frequência por aqui. Aqui, Sucesso estrondoso, na tradução de Sergio Tellaroli. Um assim chamado conjunto de música de câmara, famoso por tocar música antiga somente em instrumentos de época e também por um repertório que contempla apenas Rossini, Frescobaldi, Vivaldi e Pergolesi, apresentou-se num antigo castelo à beiro do lago Atter e experimentou nessa ocasião o maior sucesso de sua carreira. Os aplausos só cessaram quando, bis após bis, já não lhes restava repertório a executar. Somente no dia seguinte revelaram aos músicos que eles haviam tocado numa instituição para surdos-mudos.

O romance e a paternidade, segundo Kundera

Foi relendo Cem anos de solidão que me veio uma ideia estranha: os protagonistas dos grandes romances não têm filhos. Apenas 1% da população não tem filhos, mas pelo menos 50% dos grandes personagens romanescos deixam o romance sem procriar. Nem Pantagruel, nem Panurge, nem Dom Quixote têm descendência. Nem Valmont, nem a marquesa de Merteuil, nem a virtuosa presidente das Ligações perigosas. Nem Tom Jones, o mais célebre herói de Fielding. Nem Werther. Nenhum dos protagonistas de Stendhal tem filhos; o mesmo ocorre com os de Balzac; e de Dostoievski; e no século recentemente terminado, Marcel, o narrador de Em busca do tempo perdido, e, claro, todos os grandes personagens de Musil, Ulrich, sua irmã Ágata, Walter, sua mulher Clarisse e Diotime; e Chveik; e os protagonistas de Kafka, com exceção do jovem Karl Rossmann, que engravidou uma empregada, mas é precisamente por isso, para apagar a criança de sua vida, que ele foge para a América e que o romance pode nascer. Essa infertilidade

Manguel sobre Munro

Quando a conheci, me decepcionei. Não queria falar de literatura, muito menos de sua obra; apenas aventurava algum juízo sobre algum livro que havia lido, mas raramente sobre um contemporâneo. Por outro lado, me dei conta de que observava cada detalhe da gente que nos cercava, os gestos que eu fazia, alguma particularidade do café em que estávamos. Em um dos seus melhores contos, Material, uma escritora sentada junto ao leito de um hospital em que sua mãe está agonizando não pode evitar de pensar em como utilizará esta cena em um conto. Imagino que para Alice Munro, assim é a vida: um exercício de observação da resignação, da angústia, da felicidade, da dor dos outros e dela mesma, para depois oferecer aos seus leitores estas pequenas obras-primas em que todos os nossos mundos estão refletidos. Alberto Manguel sobre Alice Munro. O artigo, em espanhol, foi publicado no jornal El País, e pode ser lido  aqui.

Conto da semana, de Alice Munro

Sim, claro. Numa semana em que a Academia sueca homenageia, pela primeira vez, o gênero, o conto da semana só poderia ser da nobelizada canadense Alice Munro - de quem já se disse se tratar do Chekov canadense. Não havia lido nada dela até agora. Mas em todas as minhas antologias de contos americanos ela está lá. E a primeira curiosidade: os americanos, que adoram falar mal do Canadá, costumam se apropriar de alguns canadenses - Saul Bellow, também Nobel, terminou se naturalizando norte-americano. Provavelmente pelo fato de ela ter publicado seus contos, ao longo de décadas, em revistas como a New Yorker .  Aqui, o acesso a cerca de uma dúzia de contos, todos em inglês. Há alguns anos o presidente da Academia criticou a literatura americana como insular. Os americanos resolveram de alguma forma - americanizaram, há muitos anos, Munro. Munro nasceu no Canadá e viveu por muitos anos no seu interior.  Hoje vive em Clinton, Ontario. Isso está presente nos seus textos. Como

As vacas de Stalin, de Sofi Oksanen

Expurgo Sofi Oksanen Tradução: Pasi Loman e Lilia Loman Editora Record, 2013 416 p. Li com atraso Expurgo e não quis repetir a demora quando este As vacas de Stálin foi lançado no Brasil, também pela editora Record, mas agora traduzido diretamente do finlandês por Pasi e Lilia Loman. Enquanto isso, espero que alguma mostra de cinema ou distribuidora traga para os trópicos a versão cinematográfica do primeiro. Expurgo foi originalmente escrito como peça de teatro e somente mais tarde transformado em romance. As vacas é o primeiro livro da autora.  Aqui, Sofi Oksanen (1977) trata da história de três gerações - Sofia, estoniana que viveu o período da ocupação, na década de 30 e as deportações para os gulags; sua filha Katariina, que casou com um finlandês e imigrou para a Finlândia, escapando da vida soviética - não é fácil a vida de imigrante algum, ainda mais quando suas conterrâneas são associadas imediatamente a prostitutas no novo país - e Anna, já finlande

Conto da semana, de Mário de Carvalho

O português Mário de Carvalho (1944)  é bem conhecido pelo leitor brasileiro. Li seu romance Um Deus passeando pela brisa da tarde, passado numa cidade romana na Lusitânia no século II d. C. Lúcio Valerius Quíncius é um magistrado romano às voltas com a rebelião promovida pela Congregação do Peixe. É Roma em seus últimos momentos pagãos. E, na minha opinião, um romance muito bom. Mas o autor também escreve contos; da série publicada pelo Diário de Notícias, vem este A Porrada, que pode ser lido  aqui (mediante cadastro, gratuito). Nesta brevíssima narrativa, aborda o tema da violência. Não aquela oriunda da pobreza ou dos imprevistos do dia; não aquela com alguma justificativa nobre ou não. Uma família bem estruturada em Portugal, mas com uma peculiaridade: Gonçalo frequenta um fight club - sua mulher, Mafalda, já está farta de vê-lo arrebentado todas as noites. Por outro lado, ele é violento também em casa - como quando insiste que ela o trate por tu, e não você. Vi