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Mostrando postagens de julho, 2011

O Sócio, de Slawomir Mrozek

Extraído do blog Nosotros somos quien somos: Decidí vender mi alma al diablo. El alma es lo más valioso que tiene el hombre, de modo que esperaba hacer um negocio colosal. El diablo que se presentó a la cinta me decepciono. Las pezuñas de plástico, la cola arrancada y atada com uma cuerda, el pellejo descolorido y como roído por las polillas, los cuernos pequeñitos, poco desarrollados. Cuánto podia dar um desgraciado así por mi inapreciable alma? - Seguro que usted es el diablo? – pregunté. - Si, por qué lo dudas? - Me esperaba al Principe de las Tinieblas y usted es, no sé, así como uma chapuza. - A tal alma, tal diablo – contestó. Vamos al negocio. (do livro Juego de azar, Barcelona, 2001)

Conto da semana - Slawomir Mrozek e o boneco de neve

Ilustração de Daniel Mroz Slawomir Mrozek nasceu na Cracóvia, em 1930, e é o autor do conto da semana. Conhecido como dramaturgo, lançou em 1957 uma coleção de contos – O Elefante. São histórias muito curtas e irônicas, lembrando em muito os contos absurdos de Jaroslav Hasek. Desta coletânea, baixada via Kindle, consta Crianças. Uma situação absurda, mas cada vez mais plausível em nossos tempos politicamente corretos em que todos se ofendem por qualquer coisa. Umas crianças fazem, numa praça, um inocente boneco de neve com tudo a que tem direito: nariz de cenoura, olhos, boca, chapéu. Diferente de qualquer outro boneco. O pai estava todo orgulhoso, além de satisfeito com a brincadeira ao ar livre. No entanto, à noite o jornaleiro procura o pai: tinha o nariz vermelho como a cenoura usada pelas crianças, e não gostou nada desta “alusão” – que isso não mais se repita, avisou. O pai, obviamente, ficou preocupado: as crianças não poderiam ridicularizar ninguém. Log

Vagas Estrelas da Ursa (1965), de Luchino Visconti

Prosseguindo o meu “Festival Visconti”, assisti a Vagas Estrelas da Ursa, título extraído do verso de um poema de Giacomo Leopardi. Sandra (Claudia Cardinale) e o marido Andrew (Michael Craig) partem para Volterra – essa viagem, de carro, logo no início do filme, é um dos seus pontos altos.  Uma viagem no tempo, passando por monumentos da civilização etrusca. Também é uma viagem ao passado de Sandra. Volterra está sendo destruída pela erosão e o tempo. Visconti tem como tema recorrente a decadência da famílias tradicionais. Lá, Sandra e seu irmão Gianni (Jean Sorel) passaram a infância. O objetivo é a homenagem a seu pai, judeu morto em Auschwitz. Há a suspeita de que tenha sido delatado pela mulher (Marie Bell), a mãe dos irmãos, com seu então amante e agora marido Antonio Gilardini (Renzo Ricci). Em alguns momentos, a mãe se queixa do sangue judeu da filha... Andrew irá descobrir uma relação nada cômoda entre os irmãos. A cena do encontro de ambos no jardim é bastante sugestiva

Senso (1954), de Luchino Visconti

Esta semana assisti ao filme Senso, de Visconti (1954). Alida Valli é a condessa Serpieri, que inicia um caso com o tenente austríaco Franz Mahler (Farley Granger), na Veneza de 1866, nos últimos dias do domínio austríaco sobre a região. A unificação da Itália está a caminho, ainda que o episódio abordado na história, a batalha de Custoza, tenha sido um desastre para os nacionalistas. Curiosamente, é dele outro filme passado na cidade, A Morte em Veneza, com música de “outro” Mahler... A abertura do filme se dá no La Fenice , com a encenação da ópera de Verdi – Il Trovatore ; os italianos deliram com a encenação e os austríacos torcem o nariz. O primo da condessa, Roberto Ussoni, é o líder dos nacionalistas italianos; o conde é um situacionista nato – apóia os austríacos mas, lá pelas tantas do filme, já quer se ajeitar no futuro governo italiano que se aproxima. A cena em que o tenente segue a condessa pela noite em Veneza, ao som da Sétima Sinfonia de Bruckner , é das melhores do

A Cabeça de Tiradentes

O conto da semana é de Bernardo Guimarães (1825-1884), e integra as Histórias e Tradições da Província de Minas Gerais. Ele inicia a história com uma passagem pela vida em Ouro Preto na época de Tiradentes. Minas, bem como o Brasil inteiro, era bem como uma vasta fazenda explorada em proveito da metrópole. E nessa época de riqueza e opulência, de servilismo e degradação social, no meio da praça principal desta cidade se via uma cabeça humana dessecada, cravada sobre um alto poste. Este poste e esta cabeça eram noite e dia guardados por uma sentinela. E à noite uma lanterna se acendia para aluminar o lúgubre espetáculo. O conto é de 1867. Na verdade, seria na República que Tiradentes se transformaria de um inconfidente em um verdadeiro herói, com sua imagem assemelhada à de Cristo. Bernardo Guimarães pergunta o motivo da preocupação com o corpo, e compara o poder póstumo de Tiradentes ao de Ziska (nem o Google sabe dizer quem f

Dois dias em Ouro Preto

Depois de dez anos, voltamos a Ouro Preto, pela primeira vez com as crianças, em pleno festival de inverno e no ano em que se comemora seu 300º aniversário. A cidade estava movimentada, mas não lotada; surgiram vários novos restaurantes, e hoje há opções de qualidade para além dos pratos típicos (que são ótimos, diga-se). A Pousada do Mondego, que integra o Roteiro do Charme, fica num casarão do século 18, no Largo do Coimbra e em frente à Igreja de São Francisco de Assis e à casa onde viveu Cláudio Manuel (hoje, um restaurante) e ao lado da de Tomás Antonio Gonzaga. Consegue manter a atmosfera da época e, ao mesmo tempo, é arejado e à prova de alergia... Nestes dez anos, os museus melhoraram bastante. A Casa dos Contos, antiga sede do Ministério da Fazenda, está toda reformada. A cela em que Claudio Manuel foi encontrado morto, no entanto, virou uma sala de exposições, e perdeu o ar soturno que sempre manteve. Mas o acesso às senzalas está melhor e, nos fundos, foi criado u

O Nariz de Stendhal

Daniel Guebel é o autor do conto da semana. O argentino está na antologia Os Outros – narrativa argentina contemporânea, organizada por Luis Gusmán e editada pela Iluminuras. O livro vale para conhecermos os autores vizinhos para além de Borges, Casares e Martinez. Stendhal, designado pelo exército para ajudar o general Michaud, desapareceu a caminho de Roma. Na verdade, foi para Riga, para corrigir o seu nariz, que excedia as proporções convenientes. Procura o famoso cirurgião Vilnius Daugavpils, que uma vez por mês dava uma aula magna no salão do Pavilhão de Ciências Médicas da universidade. O dito sujeito agia como um deus. As pessoas faziam de tudo para furar a fila interminável e finalmente conseguir ser operadas. Cortar caminhos por subornos. Stendhal preferia aguardar. Mas o tempo passava, e nada... No 1º de abril de 1800, assiste à aula magna. O mestre afirma que, ao longo dos séculos, a cirurgia plástica foi proibida – por que mudar a imagem de

a máquina de fazer espanhois, de valter hugo mãe

a máquina de fazer espanhois, de valter hugo mãe. Cosac Naify, 2011 “ passados vinte e três dias, a elisa e o meu genro vieram visitar-me, traziam os meus netos, o miúdo e a miúda, e eusenti que já não poderia adiar mais o encontro. assim que entraram em meu exíguo quarto, as portadas abertas para mostrarem que vivemos em profunda claridade, fizeram fila no correr do roupeiro e permaneceram esticados como para revista de tropas. verifiquei que estavam de gala, todos adomingados para me verem e eu imaginava bem a elisa a dar ordens precisas sobre isso. quero-vos arranjados porque vamos ver o avô. e eu senti-me um idiota por ter julgado algum dia que as visitas iam ser constantes, coisa do cotidiano, para que eu acreditasse ainda na união da família. que idiota fui, de facto, assumindo ali diante deles que se punham embonecados no disparate de acharem que assim devia ser para irem ver quem outrora viam todos os dias. era como transformarem-me num passeio aborrecido, igual a met

A história do filósofo que não tinha tempo para pensar

O conto da semana é O Dente Quebrado, do venezuelano Pedro Emilio Coll (1872-1947), e está no volume 10 da coleção Mar de Histórias. A Bravo! o colocou entre os “100 contos essenciais da literatura universal”. Veja se você não conhece algum Juan Peña... Um moleque problemático e valentão, Juan Peña, leva uma pedrada enquanto brincava; quebra o dente e muda radicalmente de comportamento – passa a ser uma criança introspectiva e distante. O tal dente se transforma numa serra e, à falta de aptidão para coisa melhor, Juan passa os dias a roçá-lo com a língua.  Os pais, lógico, ficam desesperados, mas o médico dá um diagnóstico bem interessante: - Que seu filho está são como um perro. O que é indiscutível – continuou, em voz misteriosa – é que estamos em face de um caso fenomenal: seu filho, minha estimável senhora, sofre daquilo a que hoje chamamos o mal de pensar; numa palavra, seu filho é um filósofo precoce, um gênio, talvez. Inicia-se, assim, a sua “era de ouro”. E, de

a máquina de fazer espanhóis

The Greater Journey: Americans in Paris, de David McCullough

Assistindo às últimas reviravoltas do caso DSK e os embates entre um nacionalismo francês ressentido com um puritanismo americano, leio The Greater Journey: Americans in Paris, do historiador americano David McCullough. A dica, na verdade, foi do Sérgio Augusto, no Estadão, ao falar do último filme do Woody Allen. Not all pioneers went West , escreve McCullough, que faz um mosaico das levas de americanos que, entre 1830 e 1900, deixaram uma terra provinciana e atrasada para conhecer o então centro do mundo civilizado. Intensifica-se uma relação que já existia desde o século anterior – o general Lafayette é um herói para os americanos, pela sua participação na Independência (tudo o que a França pudesse fazer para atrapalhar os ingleses era válido). Nas artes, na medicina e nas ciências, os americanos tiveram um grande choque, a começar pela arquitetura – não havia nada que pudesse ser comparado às grandes catedrais de Rouen e Notre-Dame que já vinham sendo erguidas antes mesmo de Co

Conto da semana - Ersan Uldes e o tradutor desmascarado

Aleksandar Hemon, autor de Projeto Lázaro (que recomendo) nasceu na Bósnia e se encontrava nos Estados Unidos quando estourou a guerra, nos anos 90. Ficou por lá mesmo, em Chicago, e adotou o inglês como idioma de suas obras (como Conrad e Nabokov). Nos últimos anos, passou a editar a série Best European Fiction , selecionando um autor de cada país do continente para, em suas palavras, “descobrir os futuros Joyce, Conrad, Mann”.  Pois na edição de 2011 (adquirida na Amazon, by Kindle ), descobri um autor turco - sim, para Hemon a Turquia faz parte da Europa - Ersan Üldes, e o conto da semana, Comportamento Profissional. Um curioso relato de um ex-tradutor que, percebendo a ignorância de seus editores que mal conheciam os idiomas dos originais adquiridos, passou a alterar os textos, levando ao extremo a batida associação entre tradutor e traidor. O tradutor então rearrumava os textos originais. Se o autor matava um personagem nos primeiros capítulos, ele poderia prolon