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Mostrando postagens de 2018

Elza, a garota, de Sérgio Rodrigues

Elza, a garota. A história da jovem comunista que o partido matou Sérgio Rodrigues Companhia das Letras 216 páginas Tinha dezesseis anos. Ou assim dizem. As versões variam. Em algumas, Elza é mulher feita, vinte e um. Na maioria tem dezesseis. A idade altera talvez o grau de escândalo da união, mas não o fato de que Elza era a namorada, mulher, companheira, concubina, amante, amásia oficial do secretário-geral do Partido Comunista do Brasil —  o cargo máximo da organização —  em 1935. O ano em que a esquerda brasileira tentou o lance mais ousado e sofreu a maior derrota de sua história. Miranda tinha quase a idade do século. Bem-apessoado, simpático, dizia a todos os companheiros que amava Elza e pretendia, assim que as circunstâncias políticas permitissem, fazer dela uma mulher honesta. Antes, porém, precisava se desincumbir daquele trabalhinho de tomar o poder no país. Com atraso de quase dez anos do lançamento, li Elza, a garota , de Sérgio Rodrigues (seu O drible 

Jogo de cena em Bolzano, de Sándor Márai

Jogo de cena em Bolzano Sándor Marái Tradução de Edith Elek Companhia das Letras, 2017 248 p. Deveria matá-lo? Seria um grande erro. O homem que é amado, quando morto, constitui um inimigo perigoso; você estaria lá, do nosso lado à mesa, na cama da condessa, com os passos  leves dos mortos você nos espiaria nos quartos, no jardim, estaria presente em todo lugar. Sua imagem estaria cercada pelo luto, pela pompa majestosa, as emoções e as lembranças embaladas em veludo preto e prata. E a vingança púrpura flutuaria em torno de sua memória, um vingança muda e fumegante iluminaria o caminho de suas lembranças, e eu me converteria no covarde e egoísta, no mesquinho e palerma que matou o único e maravilhoso homem que Francesca precisava ver! Não, meu filho, não vou matá-lo. Jogo de cena em Bolzano é o último romance  de Sándor Marái (1900-1989) publicados no Brasil.  Giacomo Casanova nasceu em Veneza em 1725 e logo se tornou sinônimo de libertinagem. Por atividades anti

Lobo Antunes na Pléiade

"Sonhei com este prémio desde os 13 ou 14 anos, desde a adolescência até agora. É o maior reconhecimento que se pode ter enquanto escritor, muito maior do que o Nobel". Foi o que afirmou António Lobo Antunes pouco depois de ser informado de que a Biblioteca La Pléiade quer publicar a sua obra. Visivelmente emocionado com a sua entrada nesta prestigiada colecção francesa, o escritor acrescentou: "Estar no meio desta gente sábia dá-me muito prazer e muita alegria." A matéria pode ser lida  aqui.

A longa viagem da biblioteca dos reis, de Lilia Moritz Schwarcz e outros

Frágil em sua história, nossa Biblioteca seria guardada na memória, como tantas outras que resistiram a seu destino e vingaram tal qual muralhas. É porque na história das bibliotecas sempre se impôs esta mesma duplicidade: observadas internamente são frágeis e passageiras; vistas com maior distanciamento parecem indestrutíveis. Alocadas em grandes edifícios e compostas por coleções de coleções, por livros milenares e documentos cuja data se perdeu, as bibliotecas guardaram uma imagem de estabilidade e solidez que, na verdade, pouco combinou com seu destino. A história mostra como essas livrarias foram e continuam sendo destruídas, seja por motivos naturais ou por conta da razão instável dos homens. E, cada vez que uma caía, tombava com ela uma parte da civilização. Foi assim com Alexandria, que durou apenas um século e, com ela - com seus 700 mil volumes - desapareceu parte do conhecimento disponível sobre a Grécia. Não por acaso os ingleses queimaram a Biblioteca do Congresso e

Dante por Ian Thomson

Artigo, em inglês, publicado no site da  Spectator , sobre o livro de Ian Thomson sobre a Divina Comédia . Dante, segundo ele, é o patrono dos perseguidos: Oscar Wilde tinha um exemplar do livro à mão, Primo Levi procurava se lembrar de seus versos enquanto lutava pela sobrevivência em Auschwitz, Osip Mandelstam só saía de casa com um exemplar no bolso. A autora do artigo, Frances Wilson, destaca a existência de cerca de 50 traduções desse monumento para o inglês. Mas, afinal, o que atrai um leitor do século XXI à leitura da Comédia ? Simples: The reason Dante still matters, Thomson argues, is not because readers today ‘fear damnation or are moved by the beauty of the Christian revelation, but because he wrote the story of an ordinary man — an Everyman — who sets out hopefully in this life in search of renewal’.

A Promessa, de Friedrich Dürrenmatt

Pouquíssimo conhecido no Brasil, como a literatura suíça em geral, Friedrich Dürrenmatt (1921-1990) escreveu peças e romances policiais. Salvo engano, foi publicado por aqui lá pelos anos 90. A Promessa (1958) é quase uma tese sobre o romance policial. Um ex-comandante da polícia encontra o autor após uma conferência literária sobre o gênero. Começa a criticar ambos: o romance policial é uma farsa, os escritores nos enganam, dando um crédito indevido à lógica... e começa a contar um episódio. Assim, em poucas páginas, o narrador deixa de ser o autor e passa a ser o próprio ex-comandante, que conta uma história ocorrida há muitos anos. Matthäi, grande comissário de polícia, prestes a deixar a Suíça para assumir um posto na Jordânia, resolve postergar sua nova missão para investigar o assassinato de Gritli Moser, uma menina de Magendorf. Matthäi promete aos seus pais desolados encontrar o assassino. É a promessa. O corpo foi encontrado na floresta pelo caixeiro viajante

Nobel Alternativo?

Depois do vexame e do escândalo, o Nobel de Literatura de 2018 foi cancelado. Surge agora uma Nova Academia, que propõe uma premiação alternativa. Algumas coisas não mudam: não há qualquer escritor brasileiro na lista. Mas, sinceramente, colocar no mesmo patamar Ian McEwan e Amós Oz com J.K. Rowling... De fato, algumas coisas nunca mudam mesmo.

The Silk Roads: A New History of the World, de Peter Frankopan

The Silk Roads: A New History of the World Peter Frankopan Bloomsbury Publishing Lançado em 2017, esse livro de Peter Frankopan permanece inédito no Brasil. Não sei se alguma editora irá publicá-lo por aqui - fica a sugestão/pedido. Li, obviamente, pelo Kindle, mas merece um lugar na estante. É comum nos depararmos com "novas histórias", novas visões, mas raramente percebemos o "novo". Frankopan, por outro lado, acerta em cheio. Especialista em Bizâncio e na Ásia Central, ele simplesmente conta a história do mundo a partir daquilo que viemos a chamar de "Rotas da Seda", abandonando uma visão mais eurocêntrica. Afinal, escreve, a Ásia Central é o lugar onde os impérios foram criados".  O Império Persa, por exemplo, se sobressai, por volta do século VI a.C, expandindo-se até o Himalaia, o Mar Egeu e o Egito. Segundo ele, quando pensamos em globalização como algo do século XXI, ignoramos esse "pequeno detalhe" - há mais de 2

Ulisses e Eumeu

Ao que parece, foi encontrado o mais antigo registro escrito da Odisseia , mais exatamente uma placa com fragmento do Canto 14, aquele em que Ulisses, tendo retornado a Ítaca, reencontra o seu criado Eumeu. O achado se deu durante escavações na cidade de Olímpia e, ao que tudo indica, data do século III a.C. Ismail Kadaré escreveu o romance O dossiê H, passado na sua Albânia. Na história, dois irlandeses, Max Roth e Willy Norton, viajam na década de 30 para estudar a epopeia albanesa para descobrir a forma de composição dos dois poemas. Há uma eterna discussão: existiu um sujeito chamado Homero, que teria criado essas histórias? Muitos acreditam que não, e que o que lemos hoje seriam "obras coletivas" passadas de geração em geração por cantores épicos.  O achado em Olímpia não resolve a questão, mas é fascinante encontrarmos um registro tão antigo da epopeia. 

Com Borges, de Alberto Manguel

Com Borges Alberto Manguel Traduzido por Priscila Catão Editora Âyiné, 2018 Abro caminho com os ombros no meio da multidão na Calle Florida, entro na recém-construída Galeria del Este, saio pelo outro lado e atravesso a Calle Maipú e, encostando-me na fachada de mármore vermelho do número 994, pressiono o botão do 6B. Entro no hall frio do prédio e subo os seis andares de escada. Toco a campainha e a empregada abre a porta, mas, antes que ela me deixe entrar, Borges sai de trás de uma cortina, com a postura bastante ereta, terno cinza abotoado, camisa branca e gravata amarela listrada levemente torta, arrastando-se um pouco ao se aproximar. Cego desde quando havia quase sessenta anos, ele se move hesitante mesmo num espaço que conhece tão bem quanto o seu. Estende a mão direita e me dá as boas-vindas com um aperto distraído e fraco. Não há mais formalidades. Ele se vira e me guia até a sala de estar, sentando-se ereto no sofá virado para a entrada. Eu me acomodo na poltro