Com Borges
Alberto Manguel
Traduzido por Priscila Catão
Editora Âyiné, 2018
Abro caminho com os ombros no meio da multidão na Calle Florida, entro na recém-construída Galeria del Este, saio pelo outro lado e atravesso a Calle Maipú e, encostando-me na fachada de mármore vermelho do número 994, pressiono o botão do 6B. Entro no hall frio do prédio e subo os seis andares de escada. Toco a campainha e a empregada abre a porta, mas, antes que ela me deixe entrar, Borges sai de trás de uma cortina, com a postura bastante ereta, terno cinza abotoado, camisa branca e gravata amarela listrada levemente torta, arrastando-se um pouco ao se aproximar. Cego desde quando havia quase sessenta anos, ele se move hesitante mesmo num espaço que conhece tão bem quanto o seu. Estende a mão direita e me dá as boas-vindas com um aperto distraído e fraco. Não há mais formalidades. Ele se vira e me guia até a sala de estar, sentando-se ereto no sofá virado para a entrada. Eu me acomodo na poltrona à sua direita e ele pergunta (mas as suas perguntas são quase sempre retóricas):'Bem, que tal lermos Kipling esta noite.
Finalmente é publicado no Brasil - pela inacreditável editora Âyiné - o relato em que Alberto Manguel (1948) conta de sua experiência de ter frequentado, entre 1964 e 1968, a residência de Jorge Luís Borges. Já cego, o escritor, que frequentava a livraria Pygmalion, onde Manguel trabalhava, precisava de alguém que lesse em voz alta para ele. No Brasil, há alguns anos, disse já ter contado 40 mil vezes como conheceu Borges.
A cegueira, seus hábitos de leitura ("Nunca se sentia obrigado a ler um livro até a última página", algumas curiosidades ("deu aulas sobre Finnegans Wake sem nunca ter terminado o livro de Joyce), a amizade com Bioy Casares e Silvia Ocampo, a nunca desperdiçada oportunidade de falar mal de Vargas Llosa (Manguel e Borges nunca simpatizaram com o Nobel peruano), os relatos dos sonhos e a descrição das poucas prateleiras do apartamento de Borges - tudo aparece nessas 68 páginas lidas de uma tacada só.
Manguel, que até recentemente viveu na França, retornou a Buenos Aires. Hoje, dirige a Biblioteca Nacional, como seu mestre.
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