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Mostrando postagens de 2012

2012

Listas para quem lê listas. Grandes descobertas - entre os contos, destaques para os brasileiros Fred di Giacomo e Vera Helena Rossi; entre os estrangeiros, David Dephy, Maritta Lintunen, David Rose, Pierre Mejlak, Miroslav Penkov, Kirill Kobrin e Dragan Radulovic. Romances: o melhor na verdade não conta: Guerra e Paz, lido ao longo de três meses e uma hérnia. Entre os brasileiros, Ricardo Lísias - O Céu dos Suicidas , Tatiana Levy - A Chave da Casa e Michel Laub - Diário da queda (os dois últimos são anteriores a 2012). Entre os estrangeiros, destaques para Ramona Ausubel - No One is Here Except All of Us  (este merce tradução) - Goce Smilevski - A Irmã de Freud (deve sair por aqui em 2013) - João Ricardo Pedro - O Teu Rosto será o Último - Julie Orringer - A Ponte Invisível  e Ian McEwan - Serena . Não-ficção: dois livros - A Virada, de Stephen Greenblatt, e O Chapéu de Vermeer, de Thimoty Brooks. E Viagem a Portugal, de Saramago, já bem antigo mas que li em julho.

Rubem Fonseca - Belinha

O último conto da semana de 2012 é brasileiro - Belinha, de Rubens Fonseca, parte do número de dezembro da Words Without Borders, e que pode ser lido,  obviamente em português, aqui. Pode deixar, eu disse, e o Despachante continuou, lembra da Glock e da merda que deu?, como se eu fosse esquecer o crioulo que fingia que morava nas pedras com as baratas mas não era do ramo e cheirava a sabonete perfumado e tinha um relógio granfa no pulso e quando meteu a mão na cintura para tirar a ferramenta dei-lhe um tiro na cabeça e fiquei com a arma dele, uma Glock 18, automática, uma beleza, a melhor coisa que a Áustria deu ao mundo. Mas era quente e quando me pegaram com ela me encheram de porrada, quebraram dois dentes aqui da frente e um dedo da mão, pois queriam que eu confessasse que tinha matado o crioulo e que se eu dissesse quem tinha me contratado eles aliviavam a minha barra, mas não abri o bico  não confessei porra nenhuma. Um final que me lembra Nelson Rodrigues. .. Uma se

Vsévolod Bagnó

Na Revista Kalinka deste mês,  alguns aforismas de Vsévolod Bagnó, diretor da Casa de Puschkin: Homem de verdade é aquele que finge que aguenta o tranco. Mulher de verdade é aquela que finge que não (essa é digna de Millôr). ** A alma ao diabo venderás, a voz, a mão e o coração, com esse trocado comprarás um par de pernas para dar no pé. E, aqui, uma entrevista com o autor.

Conto da semana, de Kirill Kobrin

O conto da semana é do russo Kirill Kobrin (1964), atualmente vivendo em Praga. O Último Verão em Marienbad é parte do volume do Best European Fiction 2013 - o segundo de que falamos aqui. Kafka e Felice estiveram juntos por dez dias em julho de 1916, num hotel em Marienbad. Este período é a inspiração do conto do escritor russo, que se passa, a rigor, dois anos antes.  Neste verão, Marienbad não está tão cheia de gente como no ano passado: há menos alemães, menos russos, os ricos comerciantes de Istambul com seus fezzes vermelhos quase já se foram.  O personagem está esperando pela esposa, na fonte de água mineral; ela está atrasada, mas ele não está muito preocupado, já que há alguns anos ele parou de se preocupar com os seus atrasos. E ele passa a divagar, relembrando sonhos, desejos, a situação da Europa e seus Impérios já em desmoronamento. Mas só descobrimos - ou começamos a suspeitar - de que estamos falando de Kafka (apesar de que quem conhece a vida do

E a leitura...

A Cadeira, de David Dephy

Hoje, quando ainda estou neste quarto, olhando para o seu interior familiar, um estranho sentimento me aflige - o sentimento de uma profunda e lenta dor, uma imensa tristeza, pois a história da qual participei permanecerá em minha memória para sempre, e sou absolutamente incapaz de esquecê-la por um minuto que seja, o que me deixará sem descanso pelo resto da minha vida. É claro que o conto da semana é A Cadeira, de David Dephy, com tradução do inglês lançada pela Editora Lumme nesta quarta-feira. A editora lançará, a partir do próximo ano, romances e contos do autor. A leitura ocorreu no Centro Cultural São Paulo.  Neste conto, bastante curto - página e meia - conhecemos a história de Sandro, um escritor obstinado, que dedica todas as suas forças, até a exaustão, à conclusão de sua obra. Sozinho, isolado de todos, destruindo-se nas poucas horas em que não está escrevendo.  Mas o narrador o acompanha todo o tempo, assiste a tudo; as crises e as euforias do artista. E é

Serena, de Ian McEwan

Serena Ian McEwan Companhia das Letras Tradução de Caetano W. Galindo 384 p.  Meu nome é Serena Frome (a pronúncia é Frum) e há quase quarenta anos fui enviada numa missão secreta do Serviço de Segurança britânico. Eu não voltei em segurança. Um ano e meio depois de entrar fui despedida, depois de ter caído em desgraça e acabado com a vida do meu namorado, embora ele certamente tenha tido um pouco a ver com a sua própria queda. Não vou perder muito tempo com a minha infância e a minha adolescência. Sou filha de um bispo anglicano e cresci com uma irmã numa catedral de uma cidadezinha linda no leste da Inglaterra. A minha casa era simpática, lustrosa, organizada, cheia de livros. Os meus pais gostavam bastantinho um do outro e me adoravam, e eu a eles. A minha irmã Lucy e eu tínhamos um ano e meio de diferença e, apesar de nós termos passado a adolescência brigando uma com a outra, isso não deixou grandes cicatrizes e nós ficamos mais próximas na vida adulta. A fé do n

Antologia do 31º Concurso Literário da Uniso

Saiu - em ebook - a  Antologia do 31º Concurso Literário da Uniso.  O microconto abaixo recebeu Menção Honrosa e teve a honra de participar da antologia. 4 de junho de 1989 Cansou-se do ocidente. O chinês é espiritualizado, com imensa paz anterior. Foi à Praça da Paz Celestial meditar. Nunca mais foi vista.

Conto da semana, de Alberto Mussa

Salvo uma ou outra exceção, nossos ficcionistas não dão bola para nossa história colonial. É bem verdade que nas escolas a literatura começa em 1922, com exceção de Machado de Assis... Na Antologia Pan-americana organizada por Stéphane Chao, o Brasil está representado por vários autores. Alberto Mussa e seu O rapto do fogo retornam a 1602 e à capitania de Porto Seguro. Conhecemos a história do fazendeiro Neco Dias, que perde tudo o que tem. Casou-se com dona Maria Eugênia no Mosteiro de São Bento... Depois de fracassar com o gado, resolveu montar um engenho de açúcar. Foi quando conheceu o paulista. Era um homem alto, barbudo e sujo, nascido pelas bandas de Piratininga, que vivia metido no sertão apresando os negros da terra. Foi desse homem que recebeu os escravos, para pagar depois, com o lucro do açúcar. Mas o Neco Dias de então desconhecia aquela gente. O engenho foi praticamente destruído por uma horda de índios bravos. A família dos senhores escapou de uma chacina cr

Os Antiquários, de Pablo de Santis

Os Antiquários Pablo de Santis Tradução: Ivone C. Benedetti Objetiva/Alfaguara 198 p. Há muitos anos sou dono de um sebo. Fica na travessa La Piedad; a rua é estreita, o que evita o excesso de sol. Sinto-me protegido pelos livros, que formam paredes irregulares, muralhas de meu castelo. Já nos tempos de seu antigo dono (Carlos Calisser, vulgo Francês) a livraria se chamava La Fortaleza. No fundo fica meu escritório e uma escada pela qual subo até meu dormitório. Tenho uma otomana, um criado-mudo de madeira lustrada, um abajur de bronze. Não preciso de mais. O quarto não tem janela. Apesar da idade, não me fazem falta nem óculos nem a luz do dia para ler. (p. 12). O dono do sebo é Santiago Lebrón. A história por ele narrada aconteceu na década de 1950, em Buenos Aires. Pablo de Santis (1963) escreve um breve romance sobre... vampiros.   Com relação a vampiros, sempre fui fiel ao original - de Bram Stoker - com imensa dificuldade de aceitá-los em romances (nada

Recital Caixa Preta - Editora Lumme

Dia 12/12/2012... lançamentos da Editora Lumme, no CCSP - entre eles o plaquete com o conto A Cadeira, de David Dephy.  Programação: Cartas a Vadim Kozovoi seguido de A palavra ascendente e Depois do Golpe, ensaio, precedido por O ir-e-vir eterno, de Maurice Blanchot, traduzidos por Amanda Mendes Casal e Eclair Antonio Almeida Filho; Eu índice n, conto, único até agora na produção do poeta E.M. de Melo e Castro (com infodesenhos de Eugénia Melo e Castro); Al otro lado del acaso, de José Cardona-Lopez (edição especial em espanhol); Cautos Causos e Outros cautos causos, de Glauco Mattoso; O sonho da insularidade, de Delfin Prats, traduzido por Fábio Aristimunho Vargas; Estética como acontecimento, de Daniel Lins; Nioque antes da primavera, de Francis Ponge, e Livro das areias, de Solange Rebuzzi; Da soberba da poesia, de Marcos Siscar, e A estranheza-em-comum, de Silvina Rodrigues Lopes; Cores para cegos, de Claudio Daniel; Poemas mític

Joseph Roth e Stefan Zweig

Um lançamento que, espero, chegue logo por aqui:  Joseph Roth: A Life in Letters, organizada e traduzida por Michael Hofmann. A versão Kindle está a cerca de 18 dólares, mas é o tipo do livro que espero comprar na versão "analógica"... No artigo de Mark Falcoff  (em inglês, aqui) , Roth (1894-1939) é tido como um dos últimos europeus cosmopolitas, uma espécie curiosa que circulava em torno dos cafés. Ambos sucumbiram à Segunda Guerra. Roth, que se dizia um judeu na Áustria, um austríaco na Alemanha, um alemão na França. As cartas revelam um homem confuso e infeliz, bastante cético em relação ao comunismo; não acreditava na perfeição da democracia burguesa e chamava os socialdemocratas de dragões desdentados. Zweig e Roth, 1936 Por volta de 1928 entrou em contato com Stefan Zweig (1881-1942), iniciando uma correspondência que domina boa parte do livro. Dois europeus de um mundo que desapareceu como os dinossauros: o europeu cosmopolita, sentindo-se em casa em vá

Conto da semana, de Ambrose Bierce

No blog do escritor argentino  Eduardo Berti  descobri um livro chamado El libro de la Imaginación , de Edmundo Valadés. Trata-se de um pequeno volume onde o autor reúne uma série de pequenos (pequeníssimos) contos e relatos ou mesmo citações. Uma verdadeira joia. O conto da semana está aí, e é do americano Ambrose Bierce (1842-1913?). O autor foi tenente da União durante  a Guerra Civil. Desapareceu em 26 de dezembro de 1913 e nunca mais foi visto. Na época, viajava com as tropas rebeldes mexicanas, tendo se unido ao exército de Pancho Villa em Ciudad Juarez. Talvez não tenha seguido a estratégia do conto Estratégia : - Por que se deteve? - gritou durante a batalha o comandante de uma divisão, que havia ordenado o ataque. Avance, senhor. - Meu general - respondeu o comandante surpreendido no ato - Tenho certeza que qualquer  nova demonstração de bravura pelas minhas tropas as colocará em contato com o inimigo.  E outro - A Viúva Inconsolável: Uma mulher en

Diário da Queda, de Michel Laub

É o quinto romance de Michel Laub (1973) - o primeiro que leio. Parece que aos poucos a temática vem chegando à literatura brasileira contemporânea, como fez Tatiana Salem Levy. O primeiro capítulo pode ser lido  aqui. As cerca de 150 páginas do romance, lançado no ano passado, são divididas em capítulos bem curtos, narrados em primeira pessoa, com pontos obviamente autobiográficos - ainda que se trate obviamente de uma obra de ficção. O inominado narrador estudava numa escola judaica nos anos 80 em Porto Alegre; havia um aluno não judeu que procurava se inserir na turma. Seu pai, pobre, organizou sua festa de 13 anos - todos os colegas fizeram ou fariam o Bar-Mitzvá.  O pai de João resolveu comemorar os treze anos do filho porque a família nunca tinha dado uma festa (...) mas porque João estava numa escola judaica, e na escola judaica todos faziam Bar Mitzvah aos treze, e em todas as festas o aniversariante era jogado treze vezes para cima, uma espécie de rito de

Maria Keil (1914-2012)

Maria Keil (1914-2012) é considerada uma das maiores artistas modernistas de Portugal; morreu um mês antes de viajarmos. Acima, seu autorretrato (1941). E, abaixo, uma de suas obras, que apareceu outro dia no ótimo  o silêncio dos livros.

Conto da semana - O Primeiro Impulso

O conto da semana é de um autor anônimo persa e está no volume 5 do Mar de Histórias. Apesar de em princípio ter sido escrito por volta do século XII, há aspectos bem atuais - como por exemplo a pouca cerimônia com que os personagens se dirigem a Deus - alguém lhe diria: Ora, essa é boa!...? Tooriri era um cidadão rico de Bagdá, universalmente famoso por suas virtudes. Não se limitava a assistir aos pobres a ponto de, em vez de levar uma existência das mais luxuosas, viver apenas confortavelmente; escutava com a mais delicada paciência as queixas de todos os sofredores que o procuravam, consolava‑os com palavras carinhosas e ajudava‑os de todas as maneiras possíveis . Suportava com resignação as mil e uma pequenas misérias que constituem a maior parte da vida humana. Tolerante em alto grau, não se aborrecia se os outros não lhe partilhavam as opiniões — virtude difícil e rara, pois o desejo secreto de cada homem é que o resto da humanidade lhe seja inferior e, ao mes