Frágil em sua história, nossa Biblioteca seria guardada na memória, como tantas outras que resistiram a seu destino e vingaram tal qual muralhas. É porque na história das bibliotecas sempre se impôs esta mesma duplicidade: observadas internamente são frágeis e passageiras; vistas com maior distanciamento parecem indestrutíveis. Alocadas em grandes edifícios e compostas por coleções de coleções, por livros milenares e documentos cuja data se perdeu, as bibliotecas guardaram uma imagem de estabilidade e solidez que, na verdade, pouco combinou com seu destino. A história mostra como essas livrarias foram e continuam sendo destruídas, seja por motivos naturais ou por conta da razão instável dos homens. E, cada vez que uma caía, tombava com ela uma parte da civilização. Foi assim com Alexandria, que durou apenas um século e, com ela - com seus 700 mil volumes - desapareceu parte do conhecimento disponível sobre a Grécia. Não por acaso os ingleses queimaram a Biblioteca do Congresso em 1814, e um novo acervo cultural teve de ser construído. Foi assim quando Monte Cassino foi bombardeada, durante a Segunda Guerra Mundial, e perdeu-se boa parcela do conhecimento sobre a Europa medieval. E, não faz muito tempo, a destruição da Biblioteca Nacional do Camboja, pelo Khmer Vermelho, levou consigo o maior estoque de informações sobre a civilização cambojana. Por sinal, esse era o objetivo de seus algozes, que pretendiam reduzir o passado a zero e recomeçar do nada: criar uma memória; inventar de novo uma mesma nação. Não por acaso destruíram 80% dos livros e mataram 57 doe seus sessenta bibliotecários.
Por uma dessas coincidências inexplicáveis, estava ainda nas primeiras cem páginas d' A longa viagem da biblioteca dos reis, de Lilia Moritz Schwarcz, com Paulo Cesar de Azevedo e Angela Marques da Costa, quando soube do incêndio que consumia outro legado da vinda de D. João VI, o Museu Nacional.
Estava pensando nas goteiras da Biblioteca Nacional quando as labaredas reduziam a pó o museu... Uma semana antes, estivemos com a autora, que falava de seu mais recente trabalho, a biografia de Lima Barreto.
O livro desmente algumas ideias comuns, como a de que a vinda da Corte teria sido uma fuga - nem o mais letrado monarca se preocuparia em levar uma biblioteca de milhares de volumes em uma fuga de última hora, e conta a história a partir do fatídico terremoto de 1755, passando pelo período pombalino, o Reino Unido e a Independência de um país sem grandes apreços pela cultura e que foi "inaugurado" por uma carta, pagou 800 contos (uma fortuna) a Portugal pela biblioteca (na Independência).
A biblioteca já esteve no prédio da Ordem do Carmo, na então rua Primeira, e com a República ganhou seu espaço atual, na Cinelândia, próximo ao Museu Nacional de Belas Artes e do Teatro Municipal, o que deveria garantir à praça um status imbatível de centro cultural nacional. Ande mais alguns minutos e você chegará a outra biblioteca - na minha opinião, até mais bonita - o Real Gabinete de Leitura.
A peculiar proibição de livros na América portuguesa não encontra equivalentes na colonização espanhola, que desde o século XVI já criava universidades - como bem destaca Jorge Caldeira em seu História da Riqueza no Brasil, que comento daqui a alguns dias.
Como diz Lilia, "uma história diferente da independência brasileira, contada por bibliotecários".
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