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História secreta de Costaguana, de Juan Gabriel Vásquez




O leitor de Joseph Conrad não leva mais de cinco segundos para associar este  História secreta de Costaguana, do colombiano Juan Gabriel Vásquez (1973), a Nostromo. 


Aparentemente, trata-se de um romance histórico, sobre a construção do Canal do Panamá e a independência da província da Colômbia. Mas esse é apenas um aspecto da obra - e não é o mais importante. Sim, há a reconstrução de todo um período; Vásquez se refere ironicamente àquela Mierda de lugar. E, muitas vezes, há um excesso de informações históricas que atrapalha a leitura.

Mas há algo que escapa desse rótulo. Sim, a narrativa é sobre a história a Colômbia, mas é também sobre a relação entre o homem e a História. E aqui o romance cresce.

José Altamirano, o narrador, acredita cegamente no progresso. Durante a construção do canal, e a despeito dos terremotos, das chuvas, das febres, das guerras e dos mosquitos, que teimam em deter o avanço da humanidade -  segue otimista. Um autêntico positivista. Cortar o continente era o sonho de seu pai, Miguel Altamirano, um liberal radical. A Colômbia é pródiga em guerras civis, que se iniciaram com sua própria independência - liberais e conservadores foram se derrubando ao longo dos séculos, e o país, mesmo hoje, ainda não se encontra plenamente pacificado.

Altamirano nos escreve - e conversa conosco, nós que integramos o Jurado. O narrador tem consciência de que está nos contando sua história, e é bastante zeloso de sua missão. E há algo quixotesco.

Joseph Conrad. Altamirano, ao longo de sua narrativa, menciona-o por diversas vezes. Após a independência do Panamá, encontra-se com o escritor em Londres. Irá contar tudo. 

No entanto, tal como Cervantes, que interrompe a narrativa ao encontrar um sujeito que, às gargalhadas, lia um livro sobre Dom Quixote (e descobre que seu autor é Cid Hamate Benengeli...), Altamirano se dá conta que a história que narrou - e que tolamente diz ser a sua história - está contada num livro chamado Nostromo, escrito por um certo Joseph Conrad. 

Mas não exatamente. É o ponto alto do romance. O que é isso, pergunta José a Joseph?

- Isto, querido senhor, é um romance.

- Não é minha história. Não é a história de meu país.

- Claro que não - disse Conrad. - É a história de meu país. É a história de Costaguana.

Altamirano não se contém. Você, Joseph Conrad, me roubou. Ao que Conrad responde - você realmente acredita que sua vida patética aparece neste livro?  

Sim, Conrad passa pelas mais de 250 páginas deste livro como um espectro. Irá se materializar nas últimas páginas. Não li Nostromo, mas a leitura deste A história secreta de Costaguana altera, definitivamente, minha ordem de prioridades. Preciso ler Nostromo.



Uma última observação: Vásquez esteve por aqui, na FLIP, em 2010. Não sabia. Na verdade, até ler este livro, não tinha noção de sua existência - uma falha. E não sabia que o livro já foi editado no Brasil pela LPM. Acabei lendo o texto original, em espanhol. 






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