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Vidas Provisórias, de Edney Silvestre



Vidas Provisórias
Edney Silvestre
Editora Intrínseca, 2013
240 p.

Depois de dois romances pela Record, Edney Silvestre lança este terceiro pela editora Intrínseca. Abaixo, o booktrailer:



- Quando chegar a Santiago você se vira, com seus amigos comunistas que fugiram para o Chile. Vai dar aula, vai cantar nas esquinas, pede uma pensão de exilado, se vira, Neguinho. E foda-se.

Enfiou o capuz de novo na cabeça do irmão.

Paulo ouviu seus passos saindo da sala, a porta se abrindo e batendo.

Seria a última vez que veria seu irmão, pensava.

Estava enganado.

Paulo é um dos meninos de Se eu fechar os olhos agora; adulto nos anos 70, acaba preso, torturado e finalmente exilado. Mora na Suécia, onde conhece Anna, da Anistia Internacional, mas continua assombrado pelo que viveu no Brasil. Acaba casando e tendo dois filhos, Edward e Joseph. 

Num corte de décadas, a outra personagem é Bárbara - que apareceu em A felicidade é fácil. Exilada, também, mas de outra natureza - está nos Estados Unidos, depois das trapalhadas do governo Collor e da violência que assolava (assola) o país. Ela entra como uma argentina, Bárbara Jannuzzi (sim, nos anos 1990 ficávamos com inveja dos argentinos e seu dolarizado país). Acha que vai estudar; acaba virando faxineira, convivendo com prostitutas brasileiras. E nunca aprende o inglês.

O livro de Paulo e o livro de Bárbara. Os relatos vão se alternando, com uma criativa solução gráfica adotada pela editora. O ritmo, como nos outros livros do autor, é sempre acelerado; Também como nas outras ocasiões, Edney Silvestre usa momentos históricos como pano de fundo; seus capítulos são sempre curtos.. No caso de Bárbara, há ainda Silvio, sujeito que vai definhando devido à AIDS. Ele também está nos Estados Unidos.

A provisoriedade está nesta vida de imigrante - Bárbara é ilegal e, como sempre, não tem coragem de ir à rua, sempre pensando no serviço de imigração. Paulo é exilado - e, para piorar, seu irmão é agente da repressão - sempre temendo um retrocesso. Também tem vários nomes - Nelson, não o almirante, insiste, mas o cantor.

Há a saudade do Brasil - o que obviamente inclui o "sanduíche de lombo com abacaxi do Cervantes, de madrugada, na rua Prado Júnior, em Copacabana, no meio das putas, dos boêmios e dos cineastas"...

As duas histórias irão se encontrar ao final, momentos depois dos ataques ao WTC. Esperamos que seja a indicação de um próximo romance.




Comentários

  1. Tenho esse livro na estante, mas ainda não havia criado coragem para lê-lo. Agora acho vai. lóislerá

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