Philippe Valéry (1964) é um sujeito corajoso - e sortudo. Abandonou um emprego em uma multinacional americana, depois de ter passado pela embaixada francesa no Japão, para se dedicar a um sonho: refazer, mais de 700 anos depois, o percurso de Marco Polo pela rota da seda. O resultado está no livro Par les sentiers de la soie: a pied jusqu'en Chine, editado na França pela Transboreal (2003) e que aguarda tradução por aqui. Li como exercício de francês.
O percurso levou dois anos e 10.000 km; de Marselha a Kashgar (China), passou por Veneza, Istambul, Geórgia, Uzbequistão... o mesmo percurso de Marco Polo e por onde passaram Alexandre o Grande e Gengis Khan. Uma condição: o percurso teria de ser feito à pé, tal como no "projeto inicial". O difícil foi explicar isso, de forma convincente, para os diversos guardas de fronteira. É bem verdade que ele iniciou a aventura em 1997, antes, portanto, do 11 de Setembro. Mas passou pelo Afeganistão já (ainda) em plena guerra entre a Aliança do Norte e os Talibãs.
Não dá para ter certeza de que sua viagem foi mais simples e segura que a de Polo. Ele atravessou os Bálcãs quando a guerra no Kosovo estava no auge e entrou nas antigas repúblicas soviéticas recém-libertas do comunismo - e não teve a sorte de receber do imperador uma autorização, como conseguiu Marco Polo:
Valery atravessa os países sem escapar de uma ou outra noite numa delegacia ou posto de fronteira. Por outro lado, sempre encontra cidadãos dispostos a ajudar e a oferecer um teto. Na década de 90, é curioso saber que, para muitos, o maior temor noturno é a presença de lobos. É também uma viagem no tempo.
Os capítulos mais interessantes são os sobre o Afeganistão (ele esteve com Massoud, que foi assassinado meses antes do 11 de Setembro) e o Turcomenistão, onde um ditador, Niyaziv, que governou de 1990 a 2006 e que dão o seu nome para tudo, é presidente vitalício. Valéry é irônico em relação a algumas curiosidades - Niyazov é o Grande Pai dos Turcomenos e está em cédulas de dinheiro, garrafas de vodca, ruas e avenidas. Na Georgia, esteve em Tibilisi e viu de perto os conflitos com as minorias pró-Rússia ao norte.
No Irã, sua condição de estrangeiro ocidental rendeu-lhe alguns pequenos problemas e constrangimentos - como no Afeganistão. A única, digamos, decepção, é em relação ao muito pouco que é dito justamente sobre a China, o destino final. Outro aspecto estranho foi o fato de que, a despeito dos dois anos de viagem, a narrativa ser um tanto impessoal demais. Isto faz com que o livro, que tinha tudo para ser extraordinário, seja "apenas" bom.
Na Ásia Central, encontra povos descendentes de Gengis Khan - motivo de profundo e incontido orgulho por parte destas populações - e um modo de vida que parece não ter mudado muito nestes últimos séculos, sobretudo quando parte para os vilarejos do interior. As paisagens naturais estão praticamente todas lá, intocadas, mas a ênfase está mesmo nas pessoas, que compartilham com um estrangeiro meio maluco - quem sairia de Marselha à China à pé? - segredos da vida nos países menos conhecidos dos ocidentais. Há, sim, uma conexão com o mundo moderno - o futebol (afinal, em 1998 a França ganhou a Copa, e os muçulmanos não se cansaram de dizer que foi graças a eles que o país conquistou seu primeiro grande título. A edição é ricamente ilustrada com fotos que o autor tirou ao longo dos dois anos.
Eu, que não sou tão corajoso assim, me lembro de uma empresa de viagens exóticas que oferecia um roteiro semelhante - partindo da Ásia Central. Depois de 2001, obviamente, este pacote saiu de circulação...
Kublai Khan entregando uma placa de ouro a Marco Polo, autorizando sua viagem
Valery atravessa os países sem escapar de uma ou outra noite numa delegacia ou posto de fronteira. Por outro lado, sempre encontra cidadãos dispostos a ajudar e a oferecer um teto. Na década de 90, é curioso saber que, para muitos, o maior temor noturno é a presença de lobos. É também uma viagem no tempo.
Os capítulos mais interessantes são os sobre o Afeganistão (ele esteve com Massoud, que foi assassinado meses antes do 11 de Setembro) e o Turcomenistão, onde um ditador, Niyaziv, que governou de 1990 a 2006 e que dão o seu nome para tudo, é presidente vitalício. Valéry é irônico em relação a algumas curiosidades - Niyazov é o Grande Pai dos Turcomenos e está em cédulas de dinheiro, garrafas de vodca, ruas e avenidas. Na Georgia, esteve em Tibilisi e viu de perto os conflitos com as minorias pró-Rússia ao norte.
No Irã, sua condição de estrangeiro ocidental rendeu-lhe alguns pequenos problemas e constrangimentos - como no Afeganistão. A única, digamos, decepção, é em relação ao muito pouco que é dito justamente sobre a China, o destino final. Outro aspecto estranho foi o fato de que, a despeito dos dois anos de viagem, a narrativa ser um tanto impessoal demais. Isto faz com que o livro, que tinha tudo para ser extraordinário, seja "apenas" bom.
Na Ásia Central, encontra povos descendentes de Gengis Khan - motivo de profundo e incontido orgulho por parte destas populações - e um modo de vida que parece não ter mudado muito nestes últimos séculos, sobretudo quando parte para os vilarejos do interior. As paisagens naturais estão praticamente todas lá, intocadas, mas a ênfase está mesmo nas pessoas, que compartilham com um estrangeiro meio maluco - quem sairia de Marselha à China à pé? - segredos da vida nos países menos conhecidos dos ocidentais. Há, sim, uma conexão com o mundo moderno - o futebol (afinal, em 1998 a França ganhou a Copa, e os muçulmanos não se cansaram de dizer que foi graças a eles que o país conquistou seu primeiro grande título. A edição é ricamente ilustrada com fotos que o autor tirou ao longo dos dois anos.
Eu, que não sou tão corajoso assim, me lembro de uma empresa de viagens exóticas que oferecia um roteiro semelhante - partindo da Ásia Central. Depois de 2001, obviamente, este pacote saiu de circulação...
Sua crítica me deixou com muita vontade de ler, mas sou analfabeta em Francês, terei que esperar alguém traduzir. Que tal você fazer isso para nós?
ResponderExcluirDeise, eu tenho tentado encontrar editoras no Brasil dispostas a traduzir vários dos autores que comento por aqui. Às vezes, dá certo, como nos casos do Iulian Ciocan e do David Dephy... Meu professor de francês quer traduzir, mas achar uma editora é meio difícil.
ExcluirQueria ver era o Valery ir do centro do Rio ao Complexo da Maré depois das 22h. E.
ResponderExcluirAcho que o Afeganistão foi mais fácil.
ExcluirGood blοg post. ӏ definitely lοѵe this ѕite.
ResponderExcluirKeep writing!
Herе is my wеb-sіte: Online Payday oan
Check out my site Online Payday oan