Mais um romance lido via Kindle, mas que já tem seus direitos vendidos no Brasil, devendo ser lançado por aqui em 2013; segundo o autor, pela Bertrand Brasil. O romance, vencedor do prêmio da União Europeia de 2010, é narrado por Adolfina Freud, uma das irmãs de Sigmund. Nunca li nada sobre psicanálise ou algo semelhante; meu interesse no livro veio de uma amostra - os 14 Pequenos Gustavos, publicada na antologia BEF.
Adolfina tinha um único conforto e alívio durante sua infância - ela que sempre foi rejeitada pela mãe, que lamentava o fato de ela não ter morrido: a companhia de seu irmão Sigmund. Sobre ele, há muita discussão sobre seu caráter: talvez a maior crítica seja justamente o fato de não ter tido perspicácia para perceber o perigo que Hitler representava. Ao menos era o que ele mesmo dizia; que os alemães logo se dariam conta de sua loucura e o defenestrariam da Chancelaria. Ele sempre disse às irmãs que não havia motivo para preocupações, mesmo vivendo em Viena quando da Anexação de 1938.
E, no entanto, obteve vistos extras de saída e partiu para Londres, escolhendo quem o acompanharia (seu médico, seus empregados e a cunhada) e ignorando suas irmãs. Adolfina sentiu isso; ela e as irmãs Paulina, Rosa e Maria, já muito idosas, foram presas fáceis para os nazistas, e acabaram perecendo em campos de concentração. Ele não procurou, em momento algum, obter os tais vistos extras que poderiam tê-las salvado.
Nessa época, já estava ele gravemente doente, com o câncer na boca que o mataria, ainda antes do início da Segunda Guerra. Esse desprezo; essa indiferença em relação ao destino das irmãs ficaria marcado para sempre em Adolfina.
Freud se considerava germânico, e não judeu; Adolfina nos conta que somente a partir da ascensão do nazismo Sigmund passou a se perceber não exatamente como um judeu, mas como alguém dito judeu. Talvez por isso tenha diminuído a importância de Hitler. Lembro-me dos Diários de Victor Klemperer. Ele, que lutou e foi condecorado na Primeira Guerra, nasceu judeu e se converteu ao protestantismo, sempre se considerando alemão - dizia que ao menos isso (sua religião) os nazistas não poderiam decidir.
Sigmund é a estrela da família, Adolfina é sempre ignorada e passa temporadas no hospício. Dela se sabe tão pouco que Smilevski observou, em nota ao romance - o silêncio em torno de Adolfina é tamanho que eu só pude escrever esse romance através da sua voz. Foi a forma, ao que parece, de sair de uma narrativa biográfica e adentrar, definitivamente, no da ficção histórica.
Vemos as relações de Adolfina com sua família - em especial com Sigmund e a mãe -, seu envolvimento com Rainer, que termina de forma trágica; sua amizade com Klara, irmã de Gustav Klimt; os longos períodos no hospital psiquiátrico. Há discussões sobre o livro Moisés e o Monoteísmo e uma discussão com seu médio, dr. Goethe, que duvida da seriedade das pesquisas de Sigmund.
Mas o que parece ser o grande momento do livro é justamente o último capítulo, onde Adolfina caminha para a morte. Ela nos relata sua própria morte que, afirma, é esquecimento; o ser humano nada mais é do que lembrança. I was entering into death and I promised myself that death is nothing other than forgetting (...)
I repeated this while I waited for my death * I repeated that death is only forgetting and I repeat what I will forget.
I will forget.
Um grande romance que merece ser lido mesmo por quem não conhece em detalhes a vida de Freud, e que felizmente deve chegar às livrarias brasileiras em breve. Como sempre, fica a promessa de divulgar a edição brasileira, quando for lançada.
Sugestão de leitura:
ResponderExcluirFreud - uma viagem morte adentro
LÚCIO MARZAGÃO
Originalmente publicado pela http://www.ophicinadearteprosa-kopitpoetta.blogspot.com.br/
já em edição digital pela KBR.