Pular para o conteúdo principal

The Greater Journey: Americans in Paris, de David McCullough



Assistindo às últimas reviravoltas do caso DSK e os embates entre um nacionalismo francês ressentido com um puritanismo americano, leio The Greater Journey: Americans in Paris, do historiador americano David McCullough. A dica, na verdade, foi do Sérgio Augusto, no Estadão, ao falar do último filme do Woody Allen.

Not all pioneers went West, escreve McCullough, que faz um mosaico das levas de americanos que, entre 1830 e 1900, deixaram uma terra provinciana e atrasada para conhecer o então centro do mundo civilizado. Intensifica-se uma relação que já existia desde o século anterior – o general Lafayette é um herói para os americanos, pela sua participação na Independência (tudo o que a França pudesse fazer para atrapalhar os ingleses era válido).

Nas artes, na medicina e nas ciências, os americanos tiveram um grande choque, a começar pela arquitetura – não havia nada que pudesse ser comparado às grandes catedrais de Rouen e Notre-Dame que já vinham sendo erguidas antes mesmo de Colombo chegar à América.

Um dos melhores momentos do livro é a descrição das escolas de medicina francesas, então as mais avançadas do continente. Os americanos rapidamente perceberam que ali estava uma oportunidade inédita: nos EUA, os médicos, todos homens, não podiam examinar ou tocar as mulheres, que passivamente morriam sem atendimento. Pois em Paris, nos diversos hospitais, descobriram que não só os médicos tratavam das pacientes sem grandes pudores como tinham um conhecimento específico de sua anatomia. Elizabeth Blackwell, que lá estudou, veio a ser a primeira médica americana. Além dela, outro americano que procurou aproveitar ao máximo esta oportunidade foi Oliver Holmes Sr., o pai do juiz da Suprema Corte.

Samuel Morse, que todos conhecemos pelo telégrafo (a ideia surgiu durante sua temporada francesa), passava dias no Louvre – e executou uma obra-prima, The Gallery of the Louvre: 





De quebra, levou para seu país as primeiras fotografias e o daguerreótipo. James Fenimore Cooper era o outro já ilustre americano – o primeiro escritor dos EUA com renome internacional.

A descrição do ambiente durante a Guerra contra a Prússia (1870) e a Comuna de Paris é outro ponto alto do livro. McCullough foi direto à fonte, e teve acesso aos diários de Elihu Washburne, embaixador americano na época.

E, para completar, John S. Sargent, o pintor americano e seu Madame X, Madame Gautreau (americana casada com um banqueiro) e exibido no Salão de Paris em 1884:



Segundo McCullough, numa exibição em que as pinturas de nus eram lugar-comum, este retrato da dita senhora em vestido de noite foi considerado escandalosamente erótico. A polêmica foi extremamente positiva para a carreira de Sargent. O NYT o chamou de "caricatura". Mas jornais franceses o elevaram à condição de obra-prima.

É curioso ver a ira de Maupassant e Alexandre Dumas contra o "monstro" que hoje chamamos de Torre Eiffel - "nem a nação mercantil da América" gostaria de ter tal estrutura, de acordo com o manifesto que elaboraram. 

David McCullough oferece aos leitores (esperamos sua tradução para cá) um grande painel das primeiras gerações de americanos que fizeram de Paris a sua casa. De certa maneira, prepararam o terreno para a geração de 1920, que Gil tem o privilégio de encontrar toda meia-noite...

Comentários

  1. Fabio,

    Excelente dica!No entanto, melhor aguaradar a tradução para o português. Quando sair, me avisa???

    ResponderExcluir
  2. Os Anos Loucos,de Wiliam Wiser (Jose Olympio,1994)mostra com encanto a Paris da decada de 20. E tem um capitulo sobre Darius Milhaud, consul frances no Brasil que nos retratou no divertido O Boi no Telhado. Creio q em algum sebo ainda possam ser encontrados alguns exemplares.

    ResponderExcluir
  3. Talvez a leva dos anos 20 fosse mais artistica. Muitos dos intelectuais que chegaram a Paris na época, eram padioleiros ou motoristas de ambulancia na guerra e acabaram ficando na cidade devido a grande valorização do dolar na época. O fim da guerra trouxe uma maior liberalidade de atitudes permitindo aventuras esdruxulas como o dadaismo.

    ResponderExcluir
  4. O William Wiser está na fila...
    Toda vez que algum livro daqui sair em português, darei notícia.
    Abraços

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa

Conto da semana - Saki

O conto da semana é   A Porta Aberta , de Saki, ou melhor, Hector Hugh Munro (1870-1916). Saki nasceu na Índia; o pai era major britânico e inspetor da polícia de Burma. O autor morreu no front francês durante a I Guerra. Já havia falado dele num post sobre a coleção Mar de Histórias , de Ronai e Aurélio, bem como um curta nacional. Ele está no volume 9. Mas apenas mencionei este conto, de cerca de cinco páginas. O vídeo acima é uma produção britânica de 2004 com Michael Sheen (o Tony Blair do filme "A Rainha") como Framton Nuttel, e Charlotte Ritchie como Vera, a menina de cerca de quinze anos que "faz sala" enquanto sua tia não chega. E começa a contar ao visitante sobre a terrível "tragédia" que se abateu sobre a tia, a Sra. Sappleton. O conto é um dos mais famosos de Saki, conhecido por tratar do lado cruel das crianças.