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Mostrando postagens de janeiro, 2012

27 de janeiro, de Adam Zagajewski

Nunca é demais elogiar o  Poesia Ilimitada . Aqui, um poema de Adam Zagajewski, com quatro dias de atraso... 27 de janeiro Dia gelado. Um sol de inverno. Branco vapor. Mas nesta sexta-feira não sabíamos o que celebrar, e o que chorar - o Dia Memorial do Holocausto ou o aniversário de Mozart. Nossa memória ficou perplexa. A imaginação perdeu o rumo. No parapeito da janela, uma vela chorou (fomos convidados a acender velas), mas a suave música do jovem Mozart chegou até nós pelos altifalantes, em estilo rococó, a época das asas de prata e não dos cabelos grisalhos que conhecíamos de Auschwitz, idade dos figurinos, e não da nudez, a imaginação cresceu, perdida em pensamentos.

Conto da semana: Nikolai Karamzin

O conto da semana é de Nikolai Karamzin e inaugura a incrível Nova Antologia do Conto Russo organizada por Bruno Barretto Gomide. A tradução é de Natalia Marcelli de Carvalho e Fátima Bianchi. Karamzin é pouco conhecido, não apenas no Brasil, mas no Ocidente como um todo. Na Rússia, no entanto, é reverenciado como o autor de uma monumental História do Estado Russo .  Nobre de origens tártaras, teve grande reputação também como jogador de cartas; lia de filosofia alemã aos romances franceses da época. Em sua única viagem à Europa, consta que bateu um papo em Konigsberg com Kant e assistiu aos discursos de Robespierre e Mirabeau na Assembleia Nacional, em Paris. Essa viagem originou as Cartas de um Viajante Russo , e foi catapultado à condição de líder do sentimentalismo russo.  Seu conto mais conhecido é esse Pobre Liza, tido como uma obra fundamental da ficção russa, em que uma camponesa é seduzida e abandonada por Erast e que ao final se atira de uma ponte em Moscou. Eis s

O Primeiro Kindle

Eles devem ter tido o mesmo problema...  

Eichmann no convento

Os bosques bávaros tinham seus profetas, os Waldpropheten , como o “Mühlhiasl” que trabalhava perto do convento de Windberg, por volta de 1800, e predizia apocalipses e renascimentos. Em 1934, entretanto, no convento refugiou-se durante uma semana Adolf Eichmann, numa espécie de retiro espiritual. No livro dos hóspedes, relata Trost, há ainda, de seu próprio punho, o agradecimento pela estada e hospitalidade, a expressão de uma intensa experiência e de um emocionado vínculo. Treue um Treue, fidelidade pela fidelidade, escreveu Eichmann no livro do convento em 7 de maio de 1934. O tecnocrata do massacre ama a meditação, o recolhimento interior, a paz dos bosques, quem sabe também a oração. Cláudio Magris, Danúbio. Companhia de Bolso, 2008, tradução: Elena Grechi e Jussara de Fátima Mainardes Ribeiro

Conto da semana, de Juan José Millás

O Inferno Estávamos enterrando um amigo quando um celular interrompeu com seu som a grave cerimônia. Após uma breve troca de olhares reprobatórios, compreendemos que o ruído procedia do cadáver, cujo féretro havia sido aberto para que o finado recebesse o último adeus. A viúva, mais por inconsciência do que por coragem, inclinou-se sobre o morto e tirou o telefone de um dos bolsos da jaqueta dele. “Diga”, pronunciou dolorosamente. Não sabemos o que ela escutou do outro lado, mas a vimos empalidecer e gritar em seguida: “Fernando faleceu ontem e você é uma piranha que destruiu nosso lar”. Dito isso, interrompeu a comunicação e devolveu o artefato ao seu lugar. Ao sair do cemitério, eu soube por alguém da família que o próprio Fernando manifestara o desejo de ser enterrado com o celular, o que, constituindo uma excentricidade perfeitamente afim com seu caráter, me devolvia a imagem, sombria e desagradável, de quem sem dúvida tinha sido uma das referências mais importantes da minha v

Um recado de Frederico o Grande

Frederico, o Grande, não via nenhuma contradição entre ser um imperador e também se dedicar às artes. Pelo contrário, seu talento no verso (em francês) estava entre os atributos apropriados a um estadista do Iluminismo, soldado e cidadão do mundo. Abriu o país para refugiados religiosos de outros cantos da Europa, para aumentar a população e atrair mão de obra para o desenvolvimento econômico. Quatro anos depois da vitória de Rossbach que valeu a Frederico o epíteto de “Grande”, o rei, já com 39 anos, retomou suas ambições literárias juvenis e compôs uma fábula poética a que deu o título de “Le conte du violon” (“O conto do violino”). Escrita rapidamente em Breslau, longe da calma e da beleza de Sanssouci, nos últimos dias de 1751, conta-nos a história de um talentoso violinista a quem se pede que toque apenas com três cordas, depois com duas, depois com uma e finalmente com nenhuma, com os resultados óbvios. A fábula termina assim: Deste conto, se te agrada, Recolhe um

Uma história politicamente incorreta

Nosso já conhecido H.H. Munro – Saki (1870-1916) volta à Biblioteca, mais uma vez num conto em que os personagens principais são crianças. Do volume 9 do Mar de Histórias. Em  O Contador de Histórias, um solteirão divide uma cabine de trem com uma senhora e duas crianças – seus sobrinhos - irrequietas e enjoadas. A mulher resolve, então contar uma história: Em voz baixa e tom confidencial, interrompida aqui e ali por perguntas altas e petulantes dos seus ouvintes, a senhora começou uma história sem movimento e lamentavelmente desinteressante sobre uma menina que era muito boazinha, de quem todos ficavam amigos por causa do seu bom comportamento, e que acabou sendo salva da agressão de um touro furioso por vários salvadores que lhe admiravam o caráter. As crianças detestaram a história, achando-a idiota. E o solteirão, que a tudo acompanhava, quieto, intervém: parece que a senhora não tem muito jeito para contar histórias. Desafiada, a senhora revida e pede-lhe que conte,

A Alma Encantadora das Ruas, de João do Rio

Ora, a rua é mais do que isso, a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma! Em Benarès ou em Amsterdã, em Londres ou em Buenos Aires, sob os céus mais diversos, nos mais variados climas, a rua é a agasalhadora da miséria. Os desgraçados não se sentem de todo sem o auxílio dos deuses enquanto diante dos seus olhos uma rua abre para outra rua. A rua é o aplauso dos medíocres, dos infelizes, dos miseráveis da arte. Não paga ao Tamagno para ouvir berros atenorados de leão avaro, nem à velha Patti para admitir um fio de voz velho, fraco e legendário. Bate, em compensação, palmas aos saltimbancos que, sem voz, rouquejam com fome para alegrá-la e para comer. A rua é generosa. O crime, o delírio, a miséria não os denuncia ela. A rua é a transformadora das línguas. Os Cândido de Figueiredo do universo estafam-se em juntar regrinhas para enclausurar expressões; os prosadores bradam contra os Cândido. A rua continua, matando substantivos, transformando a significação dos termos, impond

Três aforismos de Elias Canetti

Como narrador bondoso, adquiriu a confiança da humanidade dois meses antes de ela ir pelos ares. * Ele se considera profundo, pois apenas imita aqueles autores dos quais não resta mais nada senão frases incompletas. * Aquele tem um poeta na barriga, se ao menos o pudesse por na língua! Elias Canetti, Sobre os Escritores, tradução de Kristina Michahelles – José Olympio Editora.

Conto da semana, de Nikolai Leskov

Nova Antologia do Conto Russo , organizada por Bruno Barretto Gomide e lançado pela Editora 34 em dezembro, traz não apenas contos de autores conhecidos no Brasil, mas apresenta-nos alguns que jamais haviam sido traduzidos no Brasil. A edição, em homenagem a Boris Schnaiderman, tem ainda o mérito de fazer a tradução direta do russo. Entre eles, Nikolai Leskov (1831-1895), conhecido por sua Lady Macbeth do distrito de Mtzenk , aqui representado por Viagem com um Niilista , na tradução de Noé Silva, que explica tratar-se de uma história inspirada em um incidente que lhe fora relatado: um senhor viajava no trem, respondendo negativamente a todos os pedidos de que tirasse do assento uma mala que seria sua. Todos temiam tratar-se de um terrorista, já que, na época, membros de organizações niilistas praticavam atentados (como o que matou o czar Alexandre II). Na realidade, tratava-se de um figurão, e a mala não lhe pertencia. No conto, ninguém notou onde o indesejável hóspede e

A Noiva do Tigre, de Téa Obreht

A Noiva do Tigre Tea Obreht Tradução: Santiago Nazarian São Paulo: Leya, 2011 280p. Nas minhas lembranças mais antigas, meu avô é careca como uma pedra e me leva para ver os tigres. Ele veste o chapéu, sua grande capa de chuva de botões, e eu uso meus sapatos de verniz e meu vestidinho de veludo. É outono, e tenho quatro anos de idade. A certeza desse processo: a mão do meu avô, o sibilar alegre do carrinho de passear, a umidade da manhã, o passeio lotado morro acima para o parque do forte. Sempre dentro do bolso do meu avô: O livro da selva, com sua capa dourada e páginas velhas amareladas. Não tenho permissão para segurá-lo, mas ficará aberto em seu colo a tarde toda enquanto ele recita as passagens para mim. Mesmo que meu avô não esteja usando seu estetoscópio ou avental branco, a senhora no guichê dos ingressos de entrada o chama de “doutor” (p. 9). De uns tempos para cá comecei a me deparar com bons autores da minha idade ou mais novos do que eu... Tea Ob

Os Melhores de 2011 e perspectivas para 2012

Já que todo mundo faz listas, aqui vai a minha: FICÇÃO Para mim, do que li ano passado, destaco o remorso de baltasar serapião, de valter hugo mãe, Dublinesca de Vila-Matas, HHhH, de Laurent Binet e A Sense of an Ending, de Julian Barnes.  A reedição das Recordações de Isaías Caminha , de Lima Barreto também me fez voltar ao grande autor carioca depois de mais de 20 anos. E O Dom do Crime , de Marco Lucchesi, que na verdade é de 2010 mas que li em 2011. NÃO FICÇÃO A Lebre dos Olhos de Âmbar, de Edmund de Waal, que havia lido na versão Kindle; a biografia de Fernando Pessoa, de José Paulo Cavalcanti Filho, e os livros do Solomon Volkov, sobre a cultura russa (ainda não editados por aqui mas já disponíveis no Kindle). Concorda com a lista? Acha-a absurda? Para 2012, as duas grandes notícias de janeiro: consegui o Guerra e Paz  da Cosac Naify; a Saraiva não conseguiu me enviar, mas a Livraria da Travessa, no Shopping Leblon, não me decepcionou - comprei a edição

Uma Lágrima

Inesperadamente, morreu no último dia 30 Daniel Piza, cujos textos acompanhava há pelo menos quinze anos. Fui apresentado a muitos dos meus escritores favoritos pelos seus textos - Philip Roth e Ian McEwan, por exemplo. Na Folha, na finada Gazeta Mercantil e agora no Estadão, com sua Sinopse  dominical, seus textos farão muita falta...