Pular para o conteúdo principal

Thérèse Desqueyroux, de François Mauriac



Ler Mauriac (1880-1975) em francês foi um desafio – mais complexo que Maupassant, Camus e o livro de Laurent Binet. Abri mão, portanto, da edição da Cosac Naify, traduzida por Carlos Drummond de Andrade. Mas valeu à pena. Inspirado no caso Blanche Canaby, de 1906, T.D. conta a história de uma mulher que se casa por conveniência com Bernard e vai viver em Argelouse.


Mas o romance começa com a saída de Thérèse do tribunal – ela acaba de ser absolvida da acusação de tentativa de homicídio de Bernard, por envenenamento. O marido, no entanto, depõe a seu favor. Tudo para manter a ideia de uma família tradicional e unida, no interior da França.



Ela encontra seu pai, o político Larroque, que também tinha a preocupação de encerrar esse caso... Seu casamento, aliás, foi desde o início uma fuga – ela não tem afeto sequer pela filha, e a cada dia odeia mais o marido. Na verdade, era muito amiga de Ana de la Trave, meia-irmã de Bernard. Ana tem uma relação com Azévédo que, para horror da família francesa, é judeu.

Vivem em Saint-Clair, na propriedade de Bernard. Mas esse mundo rural a consome; acha-o insuportável. Seu estado de insatisfação é permanente. Ocorre um incêndio na propriedade e, na confusão, o marido toma duas doses de seu remédio – contendo arsênico – e passa mal. Surge a ideia de envenená-lo.

Evidentemente, isso não fica barato – Thérèse, com o caso encerrado, volta à cidade, imaginando o que lhe aguarda. E Bernard não poderia ser mais claro:

Il importe, pour la famille, que le monde nous croire unis et qu’à ses yeux je n’aie pas l’air de mettre em doute votre innocence. D’autre part, je veux me garder le mieux possible...

Thérèse torna-se prisioneira na propriedade do marido. A Argelouse... jusqu’à la mort... Ficará isolada de todo tipo de contato social – mas não será a “louca” da família, pois essa pecha pode atrapalhar a filha que, afinal, terá de se casar. Será talvez neurastênica...


O romance mostra então esse casal “harmônico”. Thérèse passa o tempo em absoluto isolamento, recebendo comida no quarto e nada mais lhe restando além de passar os dias fumando. Ao final, muito magra, deprimida, nem mesmo Bernard resiste: acaba por libertá-la, soltando-a nas ruas de Paris...

As imagens são do filme de Georges Franju, com Emmanuele Riva e Philippe Noiret, de 1962. Há uma outra versão, com Audrey Tautou - Thérèse D., de Claude Miller, que deve sair ainda este ano...

Comentários

  1. Fabio,

    mais uma vez, excelente post. Vontade de ler o livro e ver o filme!Parabéns!

    ResponderExcluir
  2. Mauriac foi muito lido na sua (dele) época, hoje esquecido como o pessoal de sua época. Voce resgatou o dito e - angustia - mais um na boca de espera para ser lido.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n