Pular para o conteúdo principal

Conto da semana, de Armin Kõomägi

O conto da semana vem da Estonia, e está no Best European Fiction 2012, recém-lançado no Kindle e novamente organizado por Aleksandar Hemon.


Lógicos Anônimos – ou Racionais Anônimos – conta a história de um sujeito absolutamente lógico, eliminando toda e qualquer ineficiência de seus atos e seu comportamento. Um modelo para nossa economia:

I’ll never forget the lecturer in basic logistics. The way he took the shortest route from the door to his desk; the very rational movements with which he organized his class materials on its left-hand corner, whence it would later be convenient to lift them up to the lectern.

Seu modelo era o avô, que o iniciou no mundo dos lucros e das perdas. No final de sua vida, quando foi atropelado por um carro e quebrou as duas pernas, havia desistido de viver. Para aquele Natal, disse, não esperava nenhum presente... No derradeiro dia, todos vieram se despedir em seu leito, cada um dizendo alguma coisa tocante... o narrador, porém, perguntou-lhe, na frente de todos, se ele ficaria bem em um caixão cerca de 20 cm menor – já que as pernas tinham sido amputadas. Evidentemente, todos ficaram muito chocados – mas o avô compreendeu e sentiu orgulho da obra que fizera no neto. E morreu...

O narrador se considera portador de um dom. Sua esposa, por outro lado, o considera louco. Até para urinar no intervalo dos programas de televisão ele havia bolado um método eficiente; a quantidade de pasta de dente que usava pela manhã, tudo cuidadosamente calculado, evitando todo e qualquer desperdício. Como era de se esperar, um belo dia arruma suas malas e vai embora.

E aí surge o L.A (lógicos anônimos). Conhece Martin, que descobriu que 80% dos movimentos de sua família ocorriam em 20% da área da casa – e resolveu construir uma outra, bem menor, com o máximo de aproveitamento de espaço, sem desperdícios. Era um gênio, um motivo de orgulho para o grupo. Arved media, todas as manhãs, há mais de 18 anos, as alturas e pesos de sua esposa e filhos, e calculava com exatidão a quantidade de alimentos necessária, projetava os tamanhos das roupas que seriam necessárias, bolando um incrível modelo matemático para o orçamento familiar – sabia, por exemplo, o quanto de alimentos e de roupa gastaria em 2014. Ott, taxista, retirou de seu carro dois dos quatro cilindros, já que descobriu que andava a 27 km/h na cidade, reduzindo seu consumo de combustível.

Como diz o narrador: quatro grandes homens que não se conformam com o diagnóstico de que são doentes:

We recycle life – we who are each the result of a single, efficient pregnancy. Though, if you start to think about it, even that’s a bit of a waste. Wait a minute. How many spermatozoa are there in a single ejaculation? I’ll do a study of that at home. I’m sure that it’s possible to economize on that and solve our country’s overpopulation problem at the same time. You see – we’re full of good ideas! So it can’t be an illness.

Comentários

  1. Ainda bem que vc escapou ileso daminha competência médica. Assim descubro que a Estônia existe mesmo. Já conhecia um compositor com nome de personagem de J Verne (Arvo Perth) mas agora esse cara da logística. A Estônia tbm é personagem de J Verne. Bem fazia a URSS de não deixar soltos esses malucos. Obrigado.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n