Khadji-Múrat
Editora
Cosac Naify
2009
224
páginas
Tradução
de Boris Schnaiderman
Vorontzov
recebeu Khadji-Múrat, parado na extremidade da mesa. O velho rosto alvo do
comandante em chefe não estava sorridente como na véspera, parecia antes severo
e solene.
Entrando
na grande sala, com a mesa enorme e as janelas amplas, de rótulas verdes,
Khadji-Múrat enconstou as mãos pequenas e queimadas de sol àquela parte do
peito em que se cruzava a tcherkeska branca e disse clara e
respeitosamente, em dialeto kumiko, que ele conhecia bem, sem se apressar e de
olhos baixos:
- Entrego-me à alta proteção do grande czar e à
vossa. Prometo servir ao czar branco fielmente, até a última gota de sangue, e
espero ser útil na guerra contra Chamil, inimigo meu e vosso (p. 95).
Tolstoi escreveu grandes romances
grandes, como Anna Karenina e Guerra e Paz, além de novelas – algo entre um
romance breve e um conto longo. Meu favorito é A Morte de Ivan Ilych. Todo estudante de direito deveria ler O Processo de Kafka no primeiro ano,
para aprender como funciona o sistema (o sistema brasileiro, sim), e A Morte... no quinto, para ser alertado
do que irá lhe acontecer se se devotar ao carreirismo – na pior acepção do
termo.
Khadji-Múrat é tido como o último
grande trabalho de ficção de Tolstoi. Remete-nos ao Cáucaso – à Chechênia, em
particular. KM lutou contra os russos sob a liderança de Chamil, muçulmano
líder das tribos do norte.
Uma complexa questão familiar – Chamil seqüestra sua
família – o leva a desertar e passar ao lado do inimigo.
Há muito da experiência do autor,
que serviu na região durante a guerra de 1851/1852. Apesar de suas breves 200
páginas, Tolstoi apresenta os múltiplos pontos de vista, desde os camponeses ao
czar – Nicolau I, que não é retratado com nenhuma simpatia ou condescendência.
No prefácio, Schnaiderman:
Tolstoi escreve em carta ao irmão Sierguéi que Khadji-Murat rendeu-se há dias
ao governo russo. Na ocasião, ele condenou o ato, considerando que ‘o primeiro
valentão (djiguit) e homem decidido em toda a Chechênia cometeu uma baixeza'.
E depois, já em 1896: “Lembrou-me
Khadji-Murat. Quero escrever. Defende a vida até o fim; sozinha no meio do
vasto campo, assim mesmo a defender de algum modo”. Para Tolstoi, há um
paralelo entre dois pólos de absolutismo, um asiático – Chamil – e outro
europeu, Nicolau I. Múrat está longe de ser um simples traidor.
Na carta que Vorontzov escreve ao
Ministro da Guerra, Tchernichov, ele deixa claro que não sabe o que fazer com
KM, o prisioneiro. Nicolau, por outro lado, é um sujeito apaixonado por si
próprio, e muito preocupado com mulheres. Mas Chamil sabe que o prejuízo com a
deserção de KM será imenso, e mesmo Murat tem dúvidas se vale a pena realmente
auxiliar os russos na dominação da região (mas não confia, absolutamente, em
Chamil).
Uma guerra que, tal como a atual,
era vista como uma guerra sem fim
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