Pular para o conteúdo principal

Havel na Hrad



Em 19 de novembro, Václav Havel, que se achava praticamente em reclusão domiciliar na região rural ao norte da Boêmia, voltou à tumultuada capital, onde os comunistas estavam perdendo o controle, sem que houvesse aparecido alguém que lhes tomasse o poder.

(...)

Por meio de um acordo, Dubcek foi eleito presidente da Assembleia Federal. A presidência do país coube ao próprio Václav Havel – ideia implausível e que tinha sido por ele educadamente descartada quando, apenas cinco semanas antes, as multidões nas ruas de Praga conclamavam: ‘Havel na Hrad” (Havel para o Castelo). Já em 7 de dezembro, entretanto, o dramaturgo chegara à conclusão de que aceitar o cargo talvez fosse a melhor maneira de facilitar a saída do país do comunismo; em 28 de dezembro de 1989, a mesma Assembleia Comunista que sancionara leis que até então haviam consignado Havel e outros a anos de reclusão agora o elegia presidente da República Socialista da Tchecoslováquia. No primeiro dia de 1990, o novo presidente anistiou 16 mil prisioneiros políticos; no dia seguinte, a própria polícia política foi extinta.

A saída extraordinariamente rápida e pacífica da Tchecoslováquia do comunismo – a chamada “revolução de veludo” – tornou-se possível devido a uma conjunção de circunstâncias. Assim como na Polônia, a oposição intelectual uniu-se, acima de tudo, em decorrência da memória de derrotas passadas e de uma determinação de evitar o confronto direto – não era à toa que a principal organização cívica da Eslováquia se autodenominava Povo contra a Violência. Tanto quanto na RDA, o total fracasso do partido governista logo ficou tão evidente que a alternativa de organizar uma ação na retaguarda foi desde o início descartada.

Mas o desempenho de Havel foi crucial – nenhum outro indivíduo com status político comparável surgiu nos demais países comunistas, e embora a maioria das idéias práticas e até as táticas políticas do Forum Cívico talvez existissem igualmente na ausência dele, foi Havel quem captou e canalizou o estado de espírito da população, incentivando os companheiros e, ao mesmo tempo, controlando as expectativas da multidão.

Tony Judt. Pós Guerra: uma história da Europa desde 1945. Objetiva, 2008, p. 617. Tradução de José Roberto O’Shea.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei...

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa...

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n...