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Mostrando postagens de outubro, 2012

Dia D (de Drummond)

No próximo dia 31, quando Carlos Drummond de Andrade faria 110 anos, será comemorado, pela primeira vez,   o Dia D.  O Instituto Moreira Salles não esconde a inspiração em outro dia bem conhecido, o 16 de junho - Bloomsday. 

Conto da Semana, de João Tordo

Pensei, enquanto via as imagens a preto e branco saturadas que apareciam no pequeno ecrã de uma televisão antiga, que a memória sofre distorções incompreensíveis mesmo para aqueles que se consideram sãos (como eu me julgava então) e que essas distorções reforçam apenas o sentimento de que a vida é uma ficção escrita diariamente na qual tudo se torce e retorce de acordo com a vontade de alguém. O conto da semana é do português João Tordo (1975) - Cidade Líquida. Integra uma série de 31 contos, disponibilizada pelo Diário de Notícias  e que pode ser baixada gratuitamente, mediante prévio cadastro.  Se há autores, como o próprio Tordo, que são bem conhecidos por aqui, há outros que podem chegar pela primeira vez ao leitor brasileiro, como Eduardo Madeira.  João Tordo nos apresenta ao narrador, professor de filosofia - prestes a matar Espinoza e a amaldiçoar Kant - e Roque dos Santos, diretor de cinema que se parece com George Harrison, embora o músico tivesse uma bondade no olhar

Badenheim 1939, de Aharon Appelfeld

Badenheim 1939 Aharon Appelfeld Tradução: Moacir Amâncio Amarilys, 2012 172 p. A primavera voltou a Badenheim. Na igreja da aldeia, próximo à cidade, os sinos badalaram. A sombra das árvores retirou-se para a floresta. O sol desfez os restos da escuridão e a luz estendeu-se ao longo da rua principal e, então, de praça em praça. Era um instante de transição. Os veranistas estavam prestes a invadir a cidade. Dois fiscais seguiam pela rua e examinavam os encanamentos. A cidade, que trocara muitos moradores no correr dos anos, mantinha a beleza, uma beleza singela. Num pequeno balneário judeu na Áustria, o dr. Pappenheim conclui os preparativos para o seu famoso festival de música. Com a chegada dos veranistas e dos músicos, surge o poderoso Departamento Sanitário, a divisão de saúde pública. E todos se vêem presos na cidade. Os correios, os restaurantes, tudo é fechado, e começa a faltar comida. Enquanto isso, surge a ordem de evacuação para a Polônia. Todos nós

Tolstoi lê Tolstoi

Uma raridade, disponível (ao menos por enquanto) no YouTube. Tolstoi lê em russo, inglês, alemão e francês, diretamente de sua propriedade em Yasnaya Polyana, em 31 de outubro de 1909. O som não ajuda muito, mas não deixa de ser interessante.

A Irmã de Freud, de Goce Smilevski

Mais um romance lido via Kindle, mas que já tem seus direitos vendidos no Brasil, devendo ser lançado por aqui em 2013; segundo o autor, pela Bertrand Brasil. O romance, vencedor do prêmio da União Europeia de 2010, é narrado por Adolfina Freud, uma das irmãs de Sigmund. Nunca li nada sobre psicanálise ou algo semelhante; meu interesse no livro veio de uma amostra - os  14 Pequenos Gustavos,  publicada na antologia BEF. Adolfina tinha um único conforto e alívio durante sua infância - ela que sempre foi rejeitada pela mãe, que lamentava o fato de ela não ter morrido: a companhia de seu irmão Sigmund. Sobre ele, há muita discussão sobre seu caráter: talvez a maior crítica seja justamente o fato de não ter tido perspicácia para perceber o perigo que Hitler representava. Ao menos era o que ele mesmo dizia; que os alemães logo se dariam conta de sua loucura e o defenestrariam da Chancelaria. Ele sempre disse às irmãs que não havia motivo para preocupações, mesmo vivendo em Viena

Conto da semana, Poseidon, de Kafka

Poseidon estava sentado à sua mesa de trabalho e fazia contas. A administração de todas contas. A administração de todas as águas dava-lhe um trabalho infinito. Poderia dispor de quantas forças auxiliares quisera, e com efeito, tinhas muitas, mas como tomava seu emprego muito a sério, verificava novamente todas as contas, e assim as forças auxiliares lhe serviam de pouco. Não se pode dizer que o trabalho lhe era agradável e na verdade o realizava unicamente porque lhe tinha sido imposto; tinha-se ocupado, sim, com frequência, em trabalhos mais alegres, como ele dizia, mas cada vez que se lhe faziam diferentes propostas, revelava-se sempre que, contudo, nada lhes agradava tanto como seu atual emprego. Além do mais era muito difícil encontrar uma outra tarefa para ele. Era impossível designar-lhe um determinado mar; prescindindo de que aqui o trabalho de cálculo não era menor em quantidade, porém em qualidade, o Grande Poseidon não podia ser designado para outro cargo que não compo

Conto da semana, de Fred Di Giacomo

O conto da semana vem de um livro que será lançado no dia 25 de outubro pela Editora Patuá   - Canções para ninar adultos, de Fred Di Giacomo. É da mesma editora o livro de contos Mind the Gap, da Vera Helena Saad Rossi. A edição é caprichada, no formato de um compacto de vinil e dividido, como um disco, em dois lados; o Lado A tem clara influência de escritores como Stevenson, Céline, Kafka e Borges; o Lado B, mais "maldito".  Outro aspecto que chama a atenção: uma sugestão, ao final do livro, de músicas para acompanhar alguns contos - e a expressa recomendação de que as demais histórias sejam lidas em silêncio. Destacamos, na verdade, dois contos, um de cada lado. No Lado A, O homem que colecionava dedicatórias, o narrador - Pietro - nos conta de sua peculiar coleção de livros, mais exatamente de dedicatórias em livros. Coleção iniciada com um presente de seu pai, um exemplar de a Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson, com uma dedicatória que dizia: 'p

Lamento muito

Wei Wei, sobre a escolha de Mo Yan,  aqui.

Nobel para Mo Yan

E o Nobel foi para Mo Yan (pseudônimo de Guan Moye e que significa "não fale"). Aos 57 anos, ele estava bem cotado na Ladbrokes e outras casas de apostas. Chamam-no de  o "Kafka chinês". Curiosamente, não se trata de um autor proibido pelo governo, tanto que recebeu em 2011 o Prêmio Mao Du, o principal do seu país, e é vice-presidente da Associação de Escritores da China. Em 2009, boicotou a Feira de Frankfurt, que convidou autores banidos pelo regime.  Curioso para um "não fale"... Não tem nenhuma obra traduzida por aqui, e confesso que nunca tinha ouvido falar dele antes das tais listas de favoritos para o Nobel. Mas seu romance O Sorgo Vermelho foi ao cinema, pelas mãos de Zhang Yimou, e recebeu o Urso de Berlim de 1988.  Para a Academia, ele associa imaginação e realidade, perspectiva histórica e social, criando um universo que, pela sua complexidade, lembra escritores como Faulkner e García Márquez.

Nobel de Literatura nesta quinta

É quinta-feira. Ano passado, o vencedor (Tranströmer) estava indicado em segundo lugar na casa de apostas Ladbrokes. Para este ano, e neste exato momento, assim está a lista: Haruki Murakami, japonês e favoritíssimo nas apostas; Peter Nadas, húngaro William Trevor, irlandês e considerado um mestre do conto (e eu não o conheço...) Mo Yan, pseudônimo de Guan Moye, chinês Alice Munro, canadense. Nos últimos dias o poeta sírio Adonis andou perdendo algumas posições. Além de sua obra, pesa a seu favor o fato de a Síria estar no foco das atenções. E o holandês Cees Nooteboom. E os suspeitos de sempre, como Philip Roth... E então, na quinta-feira, deverá sair a fumaça branca das chaminés da Academia. Alguém arrisca um palpite?

A Dançarina e o Ladrão, de Fernando Trueba

No original, El baile de la Victoria. Dirigido por Fernando Trueba e baseado no romance homônimo de Antonio Skármeta (ambos assinam o roteiro; Skármeta faz uma ponta, como um respeitado crítico de dança). O argentino Ricardo Darín ( O Segredo de Seus Olhos ) é o famoso arrombador de cofres Nicolás Vergara Grey. Sai da prisão uma anistia geral, quando o regime de Pinochet dá lugar à democracia. Quem também obtém a liberdade, pelas mesmas razões, é Angel Santiago (Abel Ayala). Este quer dar um grande golpe; Grey quer recuperar a família (sem sucesso; a mulher está com outro, um pinochista milionário). Angel conhece Victoria Ponce (Miranda Bodenhofer), uma mulher estranha e muda. Viu seus pais serem presos pela polícia de Pinochet e desaparecerem para sempre, e desde então nunca mais falou. Vive com a professora de balé interpretada pela brasileira Márcia Haydée e sonha com a elitizada Academia de Dança de Santiago. Santiago tenta convencer Grey a participar do golpe - o

As Pontes de Konigsberg, de David Toscana

David Toscana As Pontes de Königsberg Tradução: Michelle Strzoda Casa da Palavra, 2012 250 p. O mexicano David Toscana já teve outros romances publicados por aqui, mas este é o meu primeiro contato. O título remete a um antigo problema, que foi solucionado por Leonhard Euler, em 1736: seria possível atravessar as sete pontes da cidade de Königsberg (atual Kaliningrado) sem repetir nenhuma? Euler demonstrou que isso é impossível.  Os personagens de Toscana viajam no tempo e no espaço - sem sair de Monterrey, Floro, Blasco, o "polaco" (três bêbados) , Gortari e Andrea (uma professora) vão à cidade alemã, durante o cerco soviético durante a Segunda Guerra. Mas, paralelamente a isso, Gortari nos conta o desaparecimento de seis meninas - uma delas a sua irmã - que saem da escola e nunca mais são vistas, em 1945. Para Gortari, Konigsberg surge com o desafio proposto por Andrea na escola - o mesmo problema que foi desvendado por Euler. E sobre as pontes, Go

Conto da semana, de Miroslav Penkov

Miroslav Penkov (1982) acaba de receber o BBC International Short Story Award de 2012, com  East of the West.  O conto dá o título de uma coletânea com mais sete histórias do jovem autor búlgaro, e é o conto da semana. Precisei de 30 anos e da perda daqueles que amei para finalmente chegar em Belgrado. Agora estou caminhando do lado de fora do apartamento da minha prima, com flores em uma mão e uma barra de chocolate na outra, ensaiando minha pergunta a ela. Agora mesmo um taxista sérvio cuspiu em mim e perdi tempo para tirar a mancha da minha camisa. Contei até onze. Vera, repito mais uma vez na minha cabeça, você casa comigo? (tradução livre). Penkov inspirou-se num artigo de jornal sobre duas vilas na fronteira entre a Bulgária e a Sérvia, onde a cada cinco anos a população se reunia, com a autorização de ambos os governos, porque 70 anos antes formavam uma única cidade, búlgara.  No conto, o narrador - Vladislav - se encontra, a cada cinco anos, com sua prima Vera –

Um Dia em Kiev

Uma visita à cidade em menos de 4 minutos - Um Dia em Kiev, de Efim Graboy e Daria Turetski.

Como Marco Polo

Philippe Valéry (1964) é um sujeito corajoso - e sortudo. Abandonou um emprego em uma multinacional americana, depois de ter passado pela embaixada francesa no Japão, para se dedicar a um sonho: refazer, mais de 700 anos depois, o percurso de Marco Polo pela rota da seda. O resultado está no livro Par les sentiers de la soie: a pied jusqu'en Chine , editado na França pela Transboreal (2003) e que aguarda tradução por aqui. Li como exercício de francês.  O percurso levou dois anos e 10.000 km; de Marselha a Kashgar (China), passou por Veneza, Istambul, Geórgia, Uzbequistão... o mesmo percurso de Marco Polo e por onde passaram Alexandre o Grande e Gengis Khan. Uma condição: o percurso teria de ser feito à pé, tal como no "projeto inicial". O difícil foi explicar isso, de forma convincente, para os diversos guardas de fronteira. É bem verdade que ele iniciou a aventura em 1997, antes, portanto, do 11 de Setembro. Mas passou pelo Afeganistão já (ainda) em plena guerr

Bookoffice

Um site para acompanhar a literatura portuguesa contemporânea. Vale acompanhar,  aqui.  

Eric Hobsbawm, 1917-2012

Morreu Eric Hobsbawm. Lido em todo o mundo, inclusive no Brasil.  Aqui, uma entrevista para o Estado de S. Paulo. Ele reclamava que as pessoas, hoje, viviam algo como a eternização do presente - as coisas são como são e jamais mudarão, o que, obviamente, é algo irreal. Para Santo Agostinho, uma forma de inferno. Li A Era dos Extremos e Sobre História. Fez parte de uma geração de comunistas britânicos. Criticou violentamente os trabalhistas britânicos e, com especial empenho, Tony Blair. Entre seus desafetos, Tony Judt, autor do incrível Pós-Guerra, e que esculachou o comunismo de seu ex-amigo, que teria "romantizado bandidos rústicos".