Pular para o conteúdo principal

A Virada, de Stephen Greenblatt



Li pelo Kindle. Esse livro deve sair no Brasil em 2012, pela Companhia das Letras, como A Virada. Stephen Greenblatt é conhecido como o autor de livros sobre Shakespeare (Como Shakespeare se tornou Shakespeare). Um livro de “não ficção” como só os americanos (e ingleses) sabem escrever, e que nos prende a atenção como se estivéssemos lendo um romance dos bons.

No início do século XV, depois de séculos sofrendo de fome, guerras e peste, a Europa Ocidental tentava respirar. Os humanistas iniciavam as buscas pelos originais gregos e latinos que se perderam durante a Idade Média.

Greenblatt conta a história de Poggio Bracciolini, secretário papal (numa época em que os papas eram assassinados ou depostos), e sua busca pelas bibliotecas dos mosteiros na Alemanha e na Suíça de rolos de pergaminho perdidos. Em 1417, no sul da Alemanha, provavelmente em Fulda, descobriu o poema Da Natureza das Coisas (De Rerum Natura) de Lucrécio, discípulo de Demócrito e de Epicuro. Este texto, para Greenblatt, é seminal para a Renascença: no momento em que o rolo foi recuperado, o mundo mudou para sempre.

Lucrécio foi um filósofo epicurista no Império Romano; para ele, a alma não sobreviveria à morte do corpo; todo o universo é composto por infinitas partículas mínimas, indivisíveis (muito prazer, é o átomo!).

Um universo formado por átomos. E só. Combinações ao acaso, sem nenhum designer inteligente ou criador. Lucrécio antecipou a física moderna e até mesmo as teorias de Darwin, influenciou Giordano Bruno e Galileu. Ao contrário do que se pensava, não estávamos no centro do universo – seja ele concebido física ou espiritualmente.

Greenblatt mostra como esta corrente surgiu e foi deturpada pelas religiões monoteístas – afinal, se a alma não sobrevive ao corpo, para que todas aquelas construções teológicas? E como foi feito o “jogo sujo” para desmerecer a ideia. Epicuro foi associado ao hedonismo, o que é um erro. Ele entendia que todas as religiões eram desilusões cruéis, e que a vida não deveria ser vista como sacrifício, mas sim como redução de sofrimento. Não haveria vida após a morte, julgamento ou algo parecido. A alma, diz, é tão mortal quanto o corpo.

A despeito de todos os riscos envolvidos nesta empreitada – e Greenblatt contextualiza a atuação de Poggio e a instável situação política da época, em que qualquer descuido poderia levar à fogueira. No final, Poggio conseguiu, com suas habilidades políticas – além de se destacar pela qualidade de sua caligrafia – salvar-se e também preservar o texto.

Um lançamento para 2012 desde já esperado.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei...

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa...

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n...