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Conto da semana, de Giulio Mozzi



Novamente a imperdível antologia Best European Fiction, edição de 2010: Carlo não sabe como ler, de Giulio Mozzi.

O conto não chega a ter um enredo; é mais um de ensaio sobre a leitura, a memória e a imaginação. Interessante para quem acabou de ler o ensaio de Orhan Pamuk e está no meio do romance por excelência – Guerra e Paz.

Em determinado momento, Carlo fala da (sua) leitura como um sonho. Quando se fala dele, fala-se daquilo que se sonhou realmente ou se acaba por acrescentar novos elementos, como se no momento em que falássemos estivéssemos acrescentando novos ingredientes àquilo que temos em mente?

Quando se encontrou com um dos seus escritores favoritos, Carlo conta-lhe de sua predileção por uma determinada passagem – que o autor não se lembra e ainda diz que, se de fato escreveu aquilo, não tinha importância.

Em um conto que comentamos aqui, o tradutor “melhora” os livros originais sobre os quais trabalha, com imenso sucesso. Aqui, o leitor “cria” para si próprio – e para os amigos para os quais fala de seus livros.

Um amigo lhe diz: você não vasculha a sua memória para nos contar do que leu; você explora uma outra região, totalmente nova... Por fim, ele resolveu criar um Diário de Leitura, onde fala dos livros que lê não por meio de palavras, mas de desenhos.

Carlo não reconhece palavras porque não as enxerga; ele cria “filmes” em sua cabeça, à medida em que lê romances. Como fala Mozzi, se na página está escrito “porta”, ele “vê” uma porta. Afinal, lemos para quê? Como? Ainda que excelentes livros tenham gerado excelentes filmes – e o primeiro que me vem à mente é O Processo de Orson Welles - será possível dizer que podemos ler todo e qualquer romance como um filme em nossa mente? Definitivamente, acho que não...

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