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Mostrando postagens de dezembro, 2011

Conto da semana, de Thomas Bernhard

Pisa e Veneza Os prefeitos de Pisa e Veneza tinham concordado em molestar os visitantes de suas cidades, que havia séculos se encantavam em igual medida tanto com Pisa como em Veneza, mandando transferir, em segredo e da noite para o dia, a torre de Pisa para Veneza e o campanário de Veneza para Pisa, instalando-os no novo local. Mas não conseguiram manter segredo de seu intento e, justamente na noite em que pretendiam mandar transportar a torre de Pisa para Veneza e o campanário de Veneza para Pisa, foram internados no manicômio: naturalmente, o prefeito de Pisa no manicômio de Pisa e o prefeito de Veneza no manicômio de Veneza. As autoridades italianas lograram tratar a questão dentro do mais absoluto sigilo. O conto está em O Imitador de Vozes, Companhia das Letras. Tradução: Sergio Tellaroli.

Advogados nada Ilustres - Pierre Pathelin

A farsa mais duradoura da literatura francesa, Maistre Pierre Pathelin, foi representada pela primeira vez por volta de 1464, repetindo-se até 1872. Pathelin é um pobre advogado faminto de casos. Convence um negociante de fazendas a vender-lhe seis varas de pano, e convida-o para jantar naquela noite a fim de receber o pagamento. Quando o comerciante chega, Pathelin está de cama ardendo em fingida febre, e afirma nada saber a respeito das varas ou do jantar. O comerciante sai indignado, encontra o pastor de seu rebanho, acusa-o secretamente de dispor de vários carneiros e convoca-o perante um juiz. O pastor procura um advogado barato e encontra Pathelin, que o aconselha a fingir de idiota e a responder a todas as perguntas com o bé do carneiro. O juiz, iludido com os bés e atrapalhado pela mistura de queixas do comerciante tanto contra o pastor como contra o advogado, proporciona à França uma frase célebre ao pedir a todas as partes: Revenons à ces moutons – Voltemos a esses carne

Prefácios

“Pela metade do século XX”, diz a Encyclopaedia Britannica (XVI, I oa), “a literatura sobre Napoleão já contava com mais do que 100.000 volumes”. Por que ajuntar mais um a essa pilha? Não temos melhor motivo do que dizer que as Parcas repetidamente esqueceram-se de nós, e nos deixaram para uma vida passiva, de pacíficas leituras, após 1968 (...). Will (1885-1981) e Ariel (1898-1981) Durant – A Era de Napoleão (vol XI de sua História da Civilização). 

O Romancista Ingênuo e Sentimental, de Orhan Pamuk

Convidado a participar do ciclo Charles Eliot Norton da Universidade Harvard,  Pamuk se inspirou no Sobre a Poesia Ingênua e Sentimental de Schiller (1795) para suas palestras.  Se você está cansado do discurso do fim do romance, ou meio deprimido por acreditar nisto, o livro é uma excelente pedida. Pamuk ressalta que nunca se leu e escreveu tantos romances.  O grande prazer de ler os romances, afirma, está na habilidade do leitor em ver o mundo não "de fora", mas pelos olhos dos próprios personagens. Essa capacidade diferenciaria o romance de todos os demais gêneros. Desde o início, avisa que o seu favorito é Anna Karenina. Mas falará de Guerra e Paz, além de autores como Melville (sua observação sobre o "centro" de Moby Dick é muito didática), Calvino, Borges, Nabokov, entre outros. Nunca participei de um curso de Escrita Criativa, mas imagino que eles devem ter uma linha semelhante à do livro de Pamuk.  Algumas considerações interessantes

Conto da Semana, de Slawomir Mrozek

O conto da semana é novamente do polonês Slawomir Mrozeck, O Leão. Da mesma coletânea de outro conto já comentado aqui, desta vez trata de um leão, em Roma, cuja função era comer os cristãos. O Imperador dá o sinal, os leões avançam, mas um deles, para espanto de todos, prefere comer sua cenoura. Gaius, cuja função era assegurar o espetáculo - fazendo com que os leões efetivamente trabalhassem - usa o chicote com mais força, mas o leão retruca - deixe-me em paz. - Você não precisa comê-los; basta correr atrás deles e rugir um pouco... Mas o leão estava irredutível: depois ninguém vai acreditar que eu não os comi.  Por que vocês não fazem pessoalmente? Por que os leões?  Os romanos têm asma, são velhos... Velhos?  Você é mesmo um político. Nunca te passou pela cabeça a possibilidade de os cristãos chegarem ao poder? Leia nas entrelinhas... Constantino O Grande vai chegar a um acordo com eles cedo ou tarde. E vocês vão tentar se reabilitar, dizendo: nunca fizemos nad

Tradição Natalina no Rio - O Quebra Nozes

Já é tradição no Rio a montagem do balé O Quebra-Nozes, de Tchaikovsky, no Theatro Municipal, fechando a temporada em dezembro (se não me engano, a versão de Dalal Achcar é apresentada desde 1981). Desta vez, fomos com as crianças, que ainda não conheciam o local - por si só, um programa. É a primeira visita que faço desde a conclusão da última grande reforma. No balé, para as crianças, a surpresa em constatar que muitas músicas já lhes eram familiares (evidentemente que sem saber que se tratava de uma obra do compositor russo), além do encantamento com a história e os cenários. 

Havel na Hrad

Em 19 de novembro, Václav Havel, que se achava praticamente em reclusão domiciliar na região rural ao norte da Boêmia, voltou à tumultuada capital, onde os comunistas estavam perdendo o controle, sem que houvesse aparecido alguém que lhes tomasse o poder. (...) Por meio de um acordo, Dubcek foi eleito presidente da Assembleia Federal. A presidência do país coube ao próprio Václav Havel – ideia implausível e que tinha sido por ele educadamente descartada quando, apenas cinco semanas antes, as multidões nas ruas de Praga conclamavam: ‘ Havel na Hrad” (Havel para o Castelo). Já em 7 de dezembro, entretanto, o dramaturgo chegara à conclusão de que aceitar o cargo talvez fosse a melhor maneira de facilitar a saída do país do comunismo; em 28 de dezembro de 1989, a mesma Assembleia Comunista que sancionara leis que até então haviam consignado Havel e outros a anos de reclusão agora o elegia presidente da República Socialista da Tchecoslováquia. No primeiro dia de 1990, o novo p

Khadji-Múrat, de Liev Tolstoi

Khadji-Múrat Editora Cosac Naify 2009 224 páginas Tradução de Boris Schnaiderman Vorontzov recebeu Khadji-Múrat, parado na extremidade da mesa. O velho rosto alvo do comandante em chefe não estava sorridente como na véspera, parecia antes severo e solene. Entrando na grande sala, com a mesa enorme e as janelas amplas, de rótulas verdes, Khadji-Múrat enconstou as mãos pequenas e queimadas de sol àquela parte do peito em que se cruzava a tcherkeska branca e disse clara e respeitosamente, em dialeto kumiko, que ele conhecia bem, sem se apressar e de olhos baixos: -  Entrego-me à alta proteção do grande czar e à vossa. Prometo servir ao czar branco fielmente, até a última gota de sangue, e espero ser útil na guerra contra Chamil, inimigo meu e vosso (p. 95). Tolstoi escreveu grandes romances grandes, como Anna Karenina e Guerra e Paz, além de novelas – algo entre um romance breve e um conto longo. Meu favorito é A Morte de Ivan Ilych . Todo estudante de dire

Conto da semana, de Duncan Bush

Novamente do Best European Fiction 2012, o conto da semana é do escritor Duncan Bush, Bigamia. Três amigos lêem o jornal pela manhã – o recém-suicidado News of the World. Tony Pye se impressiona com a notícia de um caminhoneiro que tinha duas esposas, duas casas e dois lotes de filhos – quatro com uma, dois com a outra. Por 14 anos, foi pai e marido de duas famílias sem que uma soubesse da existência da outra. Como ele conseguia? Fácil: era caminhoneiro – ao sair de uma casa poderia falar que estava indo para qualquer lugar: Espanha, Portugal etc. E se ele se esquecesse e trocasse os nomes das mulheres e dos filhos? E se trocasse as atividades das crianças? Como organizar as contas de cada lar? A mulher de Tony sabia mais do estado das suas roupas do que ele próprio. Ela certamente perceberia tudo. Portanto, surge a dúvida: ou o sujeito era muito inteligente, como achava Tony, ou as duas mulheres absolutamente estúpidas, na opinião de Mike Buller. O terceiro

Um conselho de Richard de Bury

O conhecimento das leis positivas, dada a dificuldade de sua compreensão, pode conduzir a um resultado contrário àquele que perseguiu e, amiúde, pode suceder que em vez de solucionar os pleitos, os prolonga indefinidamente, o que acaba acarretando uma ansiedade desenfreada nos homens. No entanto, reconhecemos que estas leis foram estabelecidas por príncipes e jurisconsultos piedosos. Mas como a ciência dos adversários é a mesma, como o poder de argumentação tem em ambas as partes o mesmo valor e o espírito humano se inclina para o mal, aqueles que exercem essa profissão acabam por se inclinar a enredar os pleitos em vez de liquidá-los, e para isso fazem interpretações distorcidas dos textos legais durante os julgamentos, lançando mão de detestáveis artifícios absolutamente discordantes do pensamento do legislador. Por isso, e apesar do amor que professamos aos livros desde nossa infância – amor este que nos prendeu com tal paixão que todo nosso afã sempre se encaminhou para a

Conto da semana, de Armin Kõomägi

O conto da semana vem da Estonia, e está no Best European Fiction 2012 , recém-lançado no Kindle e novamente organizado por Aleksandar Hemon. Lógicos Anônimos – ou Racionais Anônimos – conta a história de um sujeito absolutamente lógico, eliminando toda e qualquer ineficiência de seus atos e seu comportamento. Um modelo para nossa economia: I’ll never forget the lecturer in basic logistics. The way he took the shortest route from the door to his desk; the very rational movements with which he organized his class materials on its left-hand corner, whence it would later be convenient to lift them up to the lectern. Seu modelo era o avô, que o iniciou no mundo dos lucros e das perdas. No final de sua vida, quando foi atropelado por um carro e quebrou as duas pernas, havia desistido de viver. Para aquele Natal, disse, não esperava nenhum presente... No derradeiro dia, todos vieram se despedir em seu leito, cada um dizendo alguma coisa tocante... o narrador, porém, perguntou-lh

Thérèse Desqueyroux, de François Mauriac

Ler Mauriac (1880-1975) em francês foi um desafio – mais complexo que Maupassant, Camus e o livro de Laurent Binet. Abri mão, portanto, da edição da Cosac Naify, traduzida por Carlos Drummond de Andrade. Mas valeu à pena. Inspirado no caso Blanche Canaby, de 1906, T.D. conta a história de uma mulher que se casa por conveniência com Bernard e vai viver em Argelouse. Mas o romance começa com a saída de Thérèse do tribunal – ela acaba de ser absolvida da acusação de tentativa de homicídio de Bernard, por envenenamento. O marido, no entanto, depõe a seu favor. Tudo para manter a ideia de uma família tradicional e unida, no interior da França. Ela encontra seu pai, o político Larroque, que também tinha a preocupação de encerrar esse caso... Seu casamento, aliás, foi desde o início uma fuga – ela não tem afeto sequer pela filha, e a cada dia odeia mais o marido. Na verdade, era muito amiga de Ana de la Trave, meia-irmã de Bernard. Ana tem uma relação com Azévédo que,

Era Pushkin

Eschbach, presidente do Tribunal do Comércio de Estrasburgo, contou para a minha amiga Madeleine C. que, na sua juventude, visitou um velho senhor em Sulz que habitava o castelo local. Este já estava um pouco perturbado e disse, certa vez: Dans ma jeneusse quand j’étais em Russie, j’ai tué quelqu’un en duel. Mais je ne sais plus qui c’était [Na minha juventude, quando estava na Rússia, matei alguém num duelo. Mas não sei mais quem era] Era Pushkin. Elias Canetti. Sobre os escritores. José Olympio. Apresentação de Ivo Barroso. Tradução de Kristina Michahelles.

Funes, o Memorioso, de Jorge Luis Borges

Há uns dois dias, saiu uma reportagem sobre pessoas com uma memória infalível. São os chamados “Googles humanos”, que possuem uma síndrome raríssima, chamada Memória Autobiográfica Altamente Superior (HSAM), e não se esquecem de quase nada do que lhes aconteceu na vida. Lembrei-me de um dos meus contos favoritos de Borges – Funes, o Memorioso – que integra Ficções (1944). No conto da semana, uma memória prodigiosa: Irineu Funes simplesmente se lembrava de tudo: Ouvi de repente a alta e zombeteira voz de Irineu. Essa voz falava em latim; essa voz (que vinha da treva) articulava com moroso deleite um discurso ou prece ou encantação. (...) Irineu começou por enumerar, em latim e espanhol, os casos de memória prodigiosa registrados pela Naturalis Historia : Ciro, rei dos persas, que sabia chamar pelo nome todos os soldados de seus exércitos; Mitridates Eupator, que administrava a justiça nos 22 idiomas de seu império; Simônides, inventor da mnemotécnica; Metrodoro,