Pular para o conteúdo principal

Um Violinista no Telhado


 

No feriado, assistimos com as crianças à mais nova montagem da dupla Charles Möeller e Cláudio Botelho, em cartaz desde maio no Rio: o musical, de Joseph Stein e baseado em contos de Scholem Aleichem (Tevye e suas Filhas). Nos últimos anos, uma série de produções da Broadway passou a ser montadas por aqui, sempre pela dupla, demonstrando não apenas a existência de público como também de atores e demais profissionais de alta qualidade.

Anatevka é um shtetl fictício - os shtetls eram vilarejos predominantemente judeus espalhados pela Europa Oriental, principalmente na Rússia, Bielo-Russia (não consigo escrever Belarus), Polônia e Ucrânia, até o início da Segunda Guerra, quando foram dizimados. Lá vive Tevye, o leiteiro, interpretado por José Mayer, sua família e vizinhos. Tenta desesperadamente manter as tradições judaicas das ameaças cada vez mais próximas do mundo que o cerca. Personagens como a casamenteira, o rabino, o mendigo, o açougueiro, não poderiam estar de fora. 


As três filhas mais velhas de Tevye irão se casar:  Tzeitel, com Motel, o filho do alfaiate (pobre, como a família da noiva); Hodel, com Perchik, comunista, de Kiev e que acabará preso na Sibéria (e a filha abandonará a todos, provavelmente para sempre, para acompanhá-lo) e, por fim, Chava,  com um russo, Fryedka, que lhe empresta livros e não concorda com a política oficial em relação aos judeus. O que não impede que, para Tvye, isso seja o fim do mundo. Tradição...Tradição...



A história se passa em 1905, e a vida judaica está ameaçada pelo crescente caos que se espalha pelos últimos anos da Rússia czarista. Para variar, os judeus são associados a tudo o que não funciona no Império Russo. Isso não impede uma certa simpatia, verdadeira, da parte do oficial do exército que alerta Tevye que uma operação contra o shtetl se aproxima, e que os judeus serão expulsos de lá. Um pogrom, em resumo. O oficial, aliás, se vê entre algo que não chega a ser uma amizade e os deveres que o Estado lhe impõem.

Por fim, o pogrom é executado – ouvimos os barulhos das casas sendo destruídas, sem nenhuma cena explícita. E, mais uma vez avisados pelo oficial russo, abandonam para sempre Anatevka, partindo para os mais variados destinos: Polônia, França, América.

Para completar, o conto de Aleichem sairá traduzido por Jacó Guinsburg, pela editora Perspectiva, com o título Tobias, o Leiteiro. Já está, é claro, na fila...


(O Violinista, de Chagall - 1912-13). Chagall nasceu também em um shtetl, Vitebsky, na Ucrânia

Comentários

  1. Sensacional!!!! Adorei este musical, que consegue ser, ao mesmo tempo, cômico e dramático, nos proporcionando uma sucessão de sentimentos em quase 3 horas de espetáculo. Vale levar as crianças na matinê. Os meus adoraram!!! Parabéns ao Rio de Janeiro, minha terra amada e distante, que, cada vez mais, vem confirmando sua posição no cenário nacional como pólo cultural, o que me enche de orgulho!!!!!

    ResponderExcluir
  2. Maravilha de blog cultural! Te sigo.

    abraços

    Lu Cavichioli

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa

Conto da semana - Saki

O conto da semana é   A Porta Aberta , de Saki, ou melhor, Hector Hugh Munro (1870-1916). Saki nasceu na Índia; o pai era major britânico e inspetor da polícia de Burma. O autor morreu no front francês durante a I Guerra. Já havia falado dele num post sobre a coleção Mar de Histórias , de Ronai e Aurélio, bem como um curta nacional. Ele está no volume 9. Mas apenas mencionei este conto, de cerca de cinco páginas. O vídeo acima é uma produção britânica de 2004 com Michael Sheen (o Tony Blair do filme "A Rainha") como Framton Nuttel, e Charlotte Ritchie como Vera, a menina de cerca de quinze anos que "faz sala" enquanto sua tia não chega. E começa a contar ao visitante sobre a terrível "tragédia" que se abateu sobre a tia, a Sra. Sappleton. O conto é um dos mais famosos de Saki, conhecido por tratar do lado cruel das crianças.