Dublinesca. Enrique Vila-Matas. Cosac Naify, 2011. 320 p.
“Pertence à estirpe cada vez mais rara dos editores cultos, literários. E, comovido, assiste todos os dias ao espetáculo de como o ramo nobre de seu ofício – os editores que ainda leem e que sempre foram atraídos pela literatura – vai se extinguindo sigilosamente, no começo deste século. Teve problemas há dois anos, mas soube fechar a tempo a editora que, no fim das contas, mesmo tendo obtido um notável prestígio, caminhava com assombrosa obstinação para a falência. Em mais de trinta anos de trajetória independente, aconteceu de tudo, sucesso, mas também grandes fracassos. A falta de rumo da etapa final ele atribui a sua resistência a publicar livros com as histórias góticas da moda e outras bobagens, e dessa forma esquecer parte da verdade: que nunca se distinguiu por sua boa gestão econômica e que, além disso, talvez pudesse ter sido prejudicado por seu fanatismo desmesurado pela literatura”.
Assim começa Dublinesca (Cosac Naify, 2011, traduzido por José Rubens Siqueira). Temos a história do editor Samuel Riba, que depois de ter alcançado algum sucesso, conclui que o mundo dos livros é coisa do passado, é uma era que está prestes a terminar. É a Era de Gutenberg, que dá lugar à Era do Google.
Os romances de Vila-Matas são um misto de ficção e ensaio – em alguns momentos, quase nos esquecemos que estamos lendo ficção (ainda que isso não ocorra neste Dublinesca como em obras anteriores). O próprio autor admite ser considerado “o mais argentino dos escritores espanhóis”, em referência à conhecida predileção dos nossos vizinhos pelo ensaio...
O mote, aqui, é a interminável discussão a respeito do hipotético fim do livro e da literatura. Vila-Matas cria um personagem que procura aproveitar o Bloomsday (16 de junho) para realizar o funeral desta era de Gutenberg.
Ribas está em crise. Não se entende com sua mulher, Celia, que ultimamente se interessa muito mais pelo budismo que pelas suas manias. E está cada vez mais solitário: recorre cada vez mais à Internet e ao Google.
Algumas reflexões de Samuel Ribas, o editor:
“Considera-se tão leitor como editor. A edição lhe roubou basicamente a saúde, mas parece que em parte lhe roubou também o bezerro de ouro do romance gótico, que forjou a lenda idiota do leitor passivo. Sonha com o dia em que o fim do feitiço do best-seller dê lugar à reaparição do leitor com talento e se recoloquem os termos do contrato moral entre autor e público. Sonha com o dia em que os editores literários possam respirar de novo, aqueles editores que se desdobram por um leitor ativo, por um leitor suficientemente aberto a ponto de comprar um livro e permitir em sua mente o desenho de uma consciência radicalmente diferente da sua própria (...)Os escritores decepcionam os leitores, mas também acontece o contrário e os leitores decepcionam os escritores quando só buscam nestes a confirmação de que o mundo é como eles o veem” (p. 69).
O leitor de best-seller, já uma aberração para Ribas (que o vê como a causa de seu fim), encontra algo ainda pior – o leitor da tela do computador, que devora um oceano de informações com um dedo de profundidade.
Para Ribas, Ulysses, de Joyce, é o último grande momento da era literária; o ápice, após o qual sobreveio a inevitável decadência. Não descobriu, em 30 anos de trabalho como editor, nenhum grande autor como Joyce ou Beckett (o outro grande homenageado).
Não li Ulysses. Pretendo lê-lo, um dia. Mas isso não impede que se aprecie o livro de Vila-Matas. O centro da trama está no sexto capítulo do livro de Joyce, quando ocorre o enterro de Paddy Dignam. Ribas está lá, com seus amigos escritores – Javier, Ricardo e Nietzky. E, como ocorre em todos os livros do autor, dezenas de referências a autores como Claudio Magris, Paul Auster, Philip Larkin (é dele o poema que dá o nome ao livro).
Ao fim, fica a impressão – e alívio – de que Vila-Matas prova, com este livro, que Ribas está errado; que ainda há grandes autores a serem descobertos, publicados e lidos.
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