Eu, acionista do Banco
Do Brasil, que nunca saio,
Que nunca daqui me arranco,
Inda que me caia um raio,
Para saber como passa
O Banco em sua saúde,
Se alguma coisa o ameaça,
e ganha ou perde em virtude,
Li (confesso) alegremente,
Li com estas minhas vistas,
O anúncio do presidente
Convocando os acionistas.
Para quê? Para o debate
Do reformado estatuto,
Obra em que há de haver combate,
Que traz gozo, que traz luto.
Pois nesse anúncio, à maneira
De censura, escreve o homem
Que é já esta a vez terceira
Que chama e que eles se somem.
Minto: sumiram-se duas.
Não tem culpa o anunciante,
Se há necessidades cruas
Do metro e de consoante.
Pela vez terceira os chama,
E agora é definitivo,
Muitos que fiquem na cama,
Um só punhado é preciso.
Mas eu pergunto, e comigo
Perguntam muitos colegas,
Que, indo pelo vezo antigo,
Não vão certamente às cegas:
- O acionista de um banco,
Só por ser triste acionista,
É algum escravo branco?
Não tem foro que lhe assista?
Não pode comer quieto
O seu costumado almoço,
Debaixo do próprio teto,
Velho já, maduro ou moço?
Barriga cheia, não pode
Dormitar o seu bocado,
Para que o não incomode
O que tiver almoçado?
Pois então a liberdade
Que tem toda a outra gente
Cidadão, meu Deus, não há de
Tê-la esta pobre inocente?
É certo que os diretores
Do Banco são reduzidos
A quatro, e que outros senhores
Vão a menos: suprimidos.
Em tal caso; é razão boa
Para que, firmes, valentes,
Compareçam em pessoa
Diretores e gerentes.
Res vestra agitur. Justo.
Mas que temos nós com isto?
Para que me metam susto
Só outra coisa, está visto.
Sim, o que algum susto mete,
Transtorna, escurece, arrasa,
Não é que eles sejam sete
Ou quatro os chefes da casa:
Sejam sete ou quatro, ou nove,
Disponham disto ou daquilo,
É coisa que me não move,
Posso digerir tranquilo.
Porquanto, digo, em havendo
Nas unhas dos pagadores
Um bonito dividendo,
Que nos importam divisores?
Tenham estes cara longa,
Cabelo amarelo ou preto,
Nasceram em Covadonga,
Em Tânger, em Orvieto;
Usem de barbas postiças,
Ou naturais, ou nenhumas;
Creiam em sermões, em missas,
Ou na sibila de Cumas;
Para mim tudo é mestre,
Contanto que haja, certinho,
No fim de cada semestre
O meu dividendozinho.
Do Brasil, que nunca saio,
Que nunca daqui me arranco,
Inda que me caia um raio,
Para saber como passa
O Banco em sua saúde,
Se alguma coisa o ameaça,
e ganha ou perde em virtude,
Li (confesso) alegremente,
Li com estas minhas vistas,
O anúncio do presidente
Convocando os acionistas.
Para quê? Para o debate
Do reformado estatuto,
Obra em que há de haver combate,
Que traz gozo, que traz luto.
Pois nesse anúncio, à maneira
De censura, escreve o homem
Que é já esta a vez terceira
Que chama e que eles se somem.
Minto: sumiram-se duas.
Não tem culpa o anunciante,
Se há necessidades cruas
Do metro e de consoante.
Pela vez terceira os chama,
E agora é definitivo,
Muitos que fiquem na cama,
Um só punhado é preciso.
Mas eu pergunto, e comigo
Perguntam muitos colegas,
Que, indo pelo vezo antigo,
Não vão certamente às cegas:
- O acionista de um banco,
Só por ser triste acionista,
É algum escravo branco?
Não tem foro que lhe assista?
Não pode comer quieto
O seu costumado almoço,
Debaixo do próprio teto,
Velho já, maduro ou moço?
Barriga cheia, não pode
Dormitar o seu bocado,
Para que o não incomode
O que tiver almoçado?
Pois então a liberdade
Que tem toda a outra gente
Cidadão, meu Deus, não há de
Tê-la esta pobre inocente?
É certo que os diretores
Do Banco são reduzidos
A quatro, e que outros senhores
Vão a menos: suprimidos.
Em tal caso; é razão boa
Para que, firmes, valentes,
Compareçam em pessoa
Diretores e gerentes.
Res vestra agitur. Justo.
Mas que temos nós com isto?
Para que me metam susto
Só outra coisa, está visto.
Sim, o que algum susto mete,
Transtorna, escurece, arrasa,
Não é que eles sejam sete
Ou quatro os chefes da casa:
Sejam sete ou quatro, ou nove,
Disponham disto ou daquilo,
É coisa que me não move,
Posso digerir tranquilo.
Porquanto, digo, em havendo
Nas unhas dos pagadores
Um bonito dividendo,
Que nos importam divisores?
Tenham estes cara longa,
Cabelo amarelo ou preto,
Nasceram em Covadonga,
Em Tânger, em Orvieto;
Usem de barbas postiças,
Ou naturais, ou nenhumas;
Creiam em sermões, em missas,
Ou na sibila de Cumas;
Para mim tudo é mestre,
Contanto que haja, certinho,
No fim de cada semestre
O meu dividendozinho.
Machado de Assis. Gazeta de Holanda. 10 de fevereiro de 1888.
Nesta crônica em verso, uma verdadeira aula de economia e de direito empresarial.
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