Cees Nooteboom é o pseudônimo de Cornelis Johannes Jacobus Maria (1933), nome que lembra os contemporâneos de Vermeer. Bastante badalado na Europa, integra o grupo dos eternos favoritos - e até agora, despeitadamente preteridos - ao Nobel de Literatura. Nunca li nada dele até este momento, quando concluo a edição em espanhol pelo Kindle daquele que é considerado o seu melhor trabalho: Nas Montanhas da Holanda.
Alfonso Tiburón de Mendoza é um inspetor de estradas em Zaragoza que viveu, na juventude, na Holanda - país que apenas lembra um outro, real, chamado Holanda. Nos meses de agosto, passa os dias nas salas de aula de uma escola fechada (férias escolares na Europa) e se põe a escrever. Não é lá um grande escritor; ninguém lê o que escreve; não vende quase nada... nem sua esposa e seu filho o levam a sério.
Nas Montanhas da Holanda, que eu saiba ainda não publicado no Brasil, conta a história de um sujeito (Alfonso) contando uma história. Neste aspecto, trata-se de um romance moderno. A história que nosso escriba quer nos contar é a de Kai e Lucia, um belíssimo e apaixonado casal, habitantes da "Holanda do Norte" e que se vêem forçados a ir para o Sul. São artistas de circo. A Holanda do Sul é montanhosa (e se sabe que não há montanhas nos Países Baixos).
Nesta terra selvagem, Kai é sequestrado pela Rainha das Neves. Como diz Alfonso Tiburón (digo, Nooteboom), há semelhanças com a famosa história de Andersen e, como tal, "contos de fadas sempre terminam bem"; é uma lei dos contos de fada. A história em si, diga-se, não é o centro do livro. Não há suspense a esta altura - e todos nos lembramos do texto de Andersen. Ao final, Lucia consegue salvar Kai das garras da Rainha das Neves. Mas não é esse o centro do romance. O objetivo de Nooteboom é muito mais contar uma história sobre o contar histórias.
Por isso mesmo, é muito interessante uma "conversa" que surge lá pelo final do livro (de cerca de 120 páginas) entre Tiburón, Platão, Andersen e Milan Kundera:
Penso na neve que cobre o cabelo de Lucia, contemplo o pátio vazio do colégio, reduzido a uma lâmina de luz reverberante, luz na qual iam se formavam, como sombras, meus quatro amigos, e me pergunto de onde vem meu irreprimível desejo de mentir.
- Da desgraça - diz Andersen, que fala por experiência - mas tua desgraça ainda é insuficiente, e por isso se sente incapaz de fazê-lo. Mentir também é uma arte.
- Por que não escreve romances? - diz Kundera - Neles poderia "mentir uma realidade".
- A realidade é apenas uma sombra - diz Platão.
- Nós, os espanhois, nunca nos entendemos bem com a realidade - diz D'Ors.
- A realidade é mais uma coisa de holandeses - contesto entre os dentes, mas Platão não sabe o que são os holandeses, e os outros três não respondem.
Penso na neve que cobre o cabelo de Lucia, contemplo o pátio vazio do colégio, reduzido a uma lâmina de luz reverberante, luz na qual iam se formavam, como sombras, meus quatro amigos, e me pergunto de onde vem meu irreprimível desejo de mentir.
- Da desgraça - diz Andersen, que fala por experiência - mas tua desgraça ainda é insuficiente, e por isso se sente incapaz de fazê-lo. Mentir também é uma arte.
- Por que não escreve romances? - diz Kundera - Neles poderia "mentir uma realidade".
- A realidade é apenas uma sombra - diz Platão.
- Nós, os espanhois, nunca nos entendemos bem com a realidade - diz D'Ors.
- A realidade é mais uma coisa de holandeses - contesto entre os dentes, mas Platão não sabe o que são os holandeses, e os outros três não respondem.
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