Pular para o conteúdo principal

Conto da semana, de Muhsin Al-Ramli


O conto da semana está publicado, em inglês, no site da words without borders. Muhsin Al-Ramli (1967) nasceu no Iraque e vive em Madri, desde 1993. Sua tese de doutorado foi sobre a influência da cultura islâmica em Don Quixote. Seu irmão, o poeta Hassan Mutlak, foi condenado à morte pelo regime de Saddam em 1990. O conto, "A TV de um olho", foi publicado na edição de abril, que se dedica aos 10 anos da guerra e da invasão americana.

A narrativa me fez lembrar alguns filmes do leste europeu...

Aqui, o relato da chegada da televisão numa aldeia do interior do país. O pai do narrador odeia o Sr. Presidente (lógico, Saddam); o regime faz de tudo para que o líder máximo seja conhecido pela população: quando em visita a uma vila curda, as pessoas saíram correndo, sem identificá-lo. Eu sou o Presidente, você não me reconhece? Para cada família, uma TV; para isso, decretou que a eletricidade deveria chegar a toda e qualquer vila ou povoado. Os aparelhos chegavam com uma placa com o nome do presidente, sua foto, a bandeira do país e um apanhado de seus discursos. O pai do narrador, que passa a assistir o odiado presidente todos os dias, acaba morrendo de desgosto.

Mas Al-Ramli se dedica às mudanças decorrentes desta novidade: os velhos, cujas histórias passaram a não mais interessar ninguém; uma mulher que vivia no exterior e que deixou de ser considerada uma celebridade ou mesmo uma referência no povoado (descobriram que tudo o que falava vinha da TV...). O aparelho era coisa do demônio - ou seria aprovado por Deus que, afinal, queria provar seus fiéis? As mulheres cobriam o rosto por estarem diante de homens estranhos - na tela.

O imã da mesquita era o grande opositor - como as pessoas de dois olhos se deixavam guiar pela TV, de apenas um? E, como num lugar que conheço, as pessoas começavam a dar os nomes dos filhos de acordo com o que assistiam - Tarzan, Rambo. A fatwa estava para ser decretada, mas eis que ele muda de ideia - segredo que sua primeira esposa irá revelar ao final, de forma surpreendente.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei...

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa...

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n...