Pular para o conteúdo principal

O Livro das Minhas Vidas, de Aleksandar Hemon


Presença constante deste blog, Aleksandar Hemon (1964) é o autor deste livro, na verdade uma reunião de ensaios autobiográficos. E é interessante perceber que sua ficção está, em muitos aspectos, inspirada nestes textos. 

A língua inglesa é pródiga em adotar europeus do resto do continente... Nabokov e Conrad são os que me vêm à cabeça. Hemon se junta a eles. É famoso o fato de ele ter aprendido a língua lendo Nabokov. Com um domínio apenas razoável do idioma, estava nos EUA em 1992 quando a situação da Bósnia se agravou - e acabou se radicando em Chicago, onde vive até hoje. Em 1995, escreveu seu primeiro texto em inglês.


Nos ensaios, a chegada de sua irmã mais nova e as mudanças em sua vida; seu refúgio para leituras nas montanhas e seu cão, Mek (que foi com a família para o Canadá), seu talento como jogador de futebol (e a importância disso no universo de imigrantes nos Estados Unidos); o enxadrista; o primeiro casamento (com L.) e o segundo, com a também escritora Teri Boyd. 

 No texto The Book of My Life, Hemon nos conta de um professor, Nikola Koljevic, que o arrebatou desde o início - a turma na faculdade  "desempacotava poemas como presentes de Natal". Quando se formou, ligou para o Professor, agradecendo pelas lições recebidas. E depois o viu no mesmo grupo de Karadzic, preso em Haia por crimes de guerra. Ele era o "sérvio shakespeareano", que dava entrevistas à BBC, num inglês impecável, e tentava convencer os jornalistas que os morteiros sérvios nada mais eram que rituais de comemoração do Natal ortodoxo. Essa figura atormentou Hemon por muitos anos - ele quis "desaprender" ou mesmo "desler" aquilo que Koljevic lhe ensinara... Lembrou-me imediatamente as palavras de outro escritor, Alberto Manguel, que também se viu diante de um estimado professor de literatura que trabalhava para a ditadura argentina da década de 1970.


No conjunto, um autor que está em casa nas duas cidades - Sarajevo e Chicago (para quem, aliás, escreveu suas "20 razões" para não abandoná-la). E que, mesmo não sendo propriamente um americano, é seguramente um dos maiores autores vivos nos Estados Unidos. Seus livros estão sendo publicados no Brasil pela Rocco, mas até onde sei não há previsão para o lançamento desta sua estreia na não-ficção.

Comentários

  1. E por aqui, Otto Maria Carpeaux, Paulo Ronai durante a guerra. Sem falar da 1a. metade do seculo passado onde Darius Milhaud e outros intelectuais franceses marcaram presença. Em compensação exportamos Paulo Coelho... E.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa

Conto da semana - Saki

O conto da semana é   A Porta Aberta , de Saki, ou melhor, Hector Hugh Munro (1870-1916). Saki nasceu na Índia; o pai era major britânico e inspetor da polícia de Burma. O autor morreu no front francês durante a I Guerra. Já havia falado dele num post sobre a coleção Mar de Histórias , de Ronai e Aurélio, bem como um curta nacional. Ele está no volume 9. Mas apenas mencionei este conto, de cerca de cinco páginas. O vídeo acima é uma produção britânica de 2004 com Michael Sheen (o Tony Blair do filme "A Rainha") como Framton Nuttel, e Charlotte Ritchie como Vera, a menina de cerca de quinze anos que "faz sala" enquanto sua tia não chega. E começa a contar ao visitante sobre a terrível "tragédia" que se abateu sobre a tia, a Sra. Sappleton. O conto é um dos mais famosos de Saki, conhecido por tratar do lado cruel das crianças.