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Conto da semana, de Maritta Lintunen

 

O conto da semana é de Maritta Lintunen - Semana Santa - e integra a antologia Best European Fiction (BEF 2012). Um dos melhores contos do volume, diga-se. Trata-se da narrativa, em primeira pessoa, da história de uma mulher e o que lhe sucede ao recobrar os sentidos após um terrível acidente doméstico, durante a Semana Santa. Momentos de desespero, de memórias e de solidão.

Li o conto poucos dias depois de sofrer da minha já famosa crise de hérnia de disco num quarto de hotel em Brasília, e confesso que me lembrei imediatamente do meu próprio incidente.

O principal mérito do conto é a forma como a autora mostra os pensamentos que vêm à mente da narradora enquanto espera por um hipotético socorro. Talvez o mais correto seja afirmar que esperava pela morte. Ela se recorda das várias histórias de decadência humana que me contaram ao longo dos anos para me confortar, diz, ao se referir à morte súbita de Ilmari, enquanto imagina um destino bem diferente para ela própria. Ela pensa no filho, para quem vai deixar suas economias – mas ele não aparece, nem mesmo depois do resgate, no hospital.

Há também uma descrição da perda progressiva de seus sentidos enquanto imagina seu futuro – com certo sarcasmo: relações sexuais... quem desejaria tocar meu corpo semi-paralisado? Eu observava a Semana Santa – eu estava tendo minha própria e autêntica Paixão.

Ao final, o resgate, no domingo à noite. Mas nenhum de seus amigos está lá, nem mesmo seu filho.

Lintunen fala da família e da solidão, do ato de morrer e de sobreviver; fala de corpo e também de pensamentos. Como ela própria afirma em entrevista ao site da editora da antologia, Dalkey Archive: um escritor não tem necessariamente que viajar aos confins do mundo para ter uma ideia, para encontrar inspiração. No entanto, os movimentos ilimitados dos pensamentos de uma pessoa são um requisito básico para um trabalho literário.

Uma grande lição de escrita.

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