Pular para o conteúdo principal

Iulian Ciocan: A Escrava Isaura em Chisinau

O conto da semana integra a coletânea Best European Fiction 2011. Iulian Ciocan traz uma curiosa história chamada Auntie Frosea. Na Moldávia no final dos anos 80 as mudanças políticas são traduzidas pelas... novelas brasileiras! Frosea não perde por nada um único capítulo de sua A Escrava Isaura, o grande sucesso da TV soviética. Desde o outono de 1988, quando estreou, sua vida mudou completamente – a começar, pela sua dor de dentes, que simplesmente desapareceu.

Para ela, a novela traz uma paisagem colorida – em contraposição ao cinza de seu país – e uma realidade triste – afinal, há escravos no Brasil. Em Chisinau, a vida pode ser cinza, como o prédio em que mora, um daqueles monstruosos blocos de apartamentos construídos nos anos 50, mas, certamente, não há escravidão... Pobre Isaura, repete. Sua amiga, Olga, não é tão deslumbrada – para que serve uma liberdade que não me permite ir além do Kosovo, provoca. Não tenho dinheiro para ir ao Brasil e, se tivesse, as autoridades não me deixariam ir.

Logicamente, Frosea protesta – você não sabe o que é ser escrava! Outras pessoas à sua volta começam a discutir – todos seremos escravos de Leoncio, com esse Gorbachev a serviço dos americanos!

Na cabeça de Frosea, os escravos de Leoncio jamais poderiam sonhar com salários e pensões, por pior que fossem, como na Moldavia. Um dia tudo iria melhorar para Isaura. Mas, nesse mundo colorido e vibrante do Brasil, como havia lugar para algo tão terrível como a escravidão?

O problema é que, um belo dia, Frosea descobre que não há mais escravos no Brasil, e que Isaura e Leoncio pertencem a um mundo que já não existe mais. O que, para Frosea, se mostra algo intolerável – Isaura tinha que pertencer ao seu mundo – é o que o torna mais suportável, afinal. Elas tinham que continuar a sofrer “juntas”.

Auntie Frosea couldn’t bear to see her slave go free.

Comentários

  1. Chisinau! Moldavia! Great! My mother is from Chisinau! :) I know this fiction, by the way, it's great!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa

Conto da semana - Saki

O conto da semana é   A Porta Aberta , de Saki, ou melhor, Hector Hugh Munro (1870-1916). Saki nasceu na Índia; o pai era major britânico e inspetor da polícia de Burma. O autor morreu no front francês durante a I Guerra. Já havia falado dele num post sobre a coleção Mar de Histórias , de Ronai e Aurélio, bem como um curta nacional. Ele está no volume 9. Mas apenas mencionei este conto, de cerca de cinco páginas. O vídeo acima é uma produção britânica de 2004 com Michael Sheen (o Tony Blair do filme "A Rainha") como Framton Nuttel, e Charlotte Ritchie como Vera, a menina de cerca de quinze anos que "faz sala" enquanto sua tia não chega. E começa a contar ao visitante sobre a terrível "tragédia" que se abateu sobre a tia, a Sra. Sappleton. O conto é um dos mais famosos de Saki, conhecido por tratar do lado cruel das crianças.