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O cerco, de Martín Kohan

O conto da semana integra a antologia Os Outros: narrativa Argentina contemporânea, organizada por Luis Gusmán e publicada pela Iluminuras (tradução de Wilson Alves Bezerra). Martín Kohan (n. 1967) é o autor de O Cerco.

O narrador, Vidal, é membro das tropas do comandante Centurión, que acabam de chegar às muralhas da cidade de Santa Bárbara, defendida pelo general Montana. Inicia-se o cerco à cidade, mas não há sinais de combate:

Seria um erro gravíssimo, indigno dos dotes estratégicos do general Montana, sair à batalha em terreno aberto: não poderia ter outra sorte neste caso a não ser sucumbir. Montana aposta, isso é evidente, na única possibilidade que lhe permite abrigar alguma esperança, por incerta que seja: trata de sustentar sua posição defensiva dentro da cidade.

E surge o impasse – as duas partes ficam em posição de espera. O sítio é a forma de levar a cidade, localizada em elevação, à queda, num cerco sem falhas. Este é o caminho da vitória, diz o comandante.

Só nos resta esperar. Um cerco é, basicamente, uma questão de paciência. No entanto, começam a passar os dias: todos iguais (...) Não acontece nada: a cidade de Santa Bárbara permanece igual a si mesma.

A espera e o silêncio do comandante começam a causar inquietação na tropa, que apesar disso atua com esmero na realização do cerco perfeito. No décimo dia do cerco, alguém de dentro levanta uma bandeira branca; é um garoto, Julián.

Não vai ser necessário, ele diz, derramar o sangue de ninguém (...) O general Montana, diz, está agonizando. Não resta a ele muito tempo de vida. A cidade está decidida a se render, mas quer salvar a honra de seu general e portanto não vai apresentar a rendição enquanto ele estiver com vida.

O comandante diz que vai considerar a notícia, e o garoto retorna à cidade. A rendição é fato.

Três dias depois, novamente Julián aparece: o general está nas últimas, não dura mais uma semana. No dia seguinte: o general piorou gravemente. Seu estado é irreversível; já há quem defenda a rendição imediata. Sua mulher tem 19 anos e bonita. E com freqüência, a visita do mensageiro se repete, e o infeliz teima em não morrer.

O comandante começa a ficar angustiado, sem saber se não estaria sendo solenemente enganado. Alguns dizem que Montana já está morto, e que o médico mente apenas para ganhar tempo, diz Julián.

Por fim, a irritação de Centurión o leva à decisão de invadir a cidade. Vidal lembra as possibilidades de um insucesso, e a perda de toda a vantagem dos invasores, algo que o comandante já não está levando em consideração. A insistência o leva a ser preso: decidiu me aplicar uma sanção de três dias de detenção. Diz que a causa é ter desobedecido a uma ordem: a de calar a boca. Diz também que a aplicação do castigo fica suspensa até depois de termos tomado a cidade de Santa Bárbara. Mas isso, diz, de toda forma, vai ocorrer amanhã, amanhã ao amanhecer. A propósito, Vidal, diz, quero estar a caráter com a entrada triunfal à cidade. Ordeno que você me prepare o uniforme de gala.

A noite se torna curta para mim, ocupado com esta tarefa: eliminar até a menor ruga do paletó azul do comandante, lustrar os botões dourados até deixá-los tão brilhantes como um amanhecer.

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