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Cala a boca, Philip!, (2014) de Alex Ross Perry


Nos cinemas, sem que os jornais se dêem conta, um grande filme para os leitores de Philip Roth. O resultado é bem melhor, por exemplo, da adaptação d'A marca humana, com Anthony Hopkins e Nicole Kidman.

Se lembrarmos de Claudia Roth Pierpoint, o principal personagem dos livros de Philip Roth é Philip Roth. É praticamente impossível ver Jason Schwartzman no papel de um escritor egocêntrico e detestável - chamado Philip Lewis Friedman - sem se lembrar do grande escritor de Nova Jersey. Rubens Ewald Filho (que não gostou do filme) considera-o um dos personagens mais insuportáveis e detestáveis da história do cinema - no que estamos de acordo.

Na lista dos 35 melhores com menos de 35" (que Philip Roth esculhambaria), mas com uma tremenda dificuldade em aceitar a recepção ao seu segundo romance, o Philip da história não se empolga com nada, acha-se o maior escritor vivo, sabota e trata mal o editor (isso para não falar dos empregados da editora) e somente se entusiasma com um convite feito por um velho e recluso escritor a quem admira, Zuckerman (não o Nathan, mas um "Ike"), interpretado por Jonathan Pryce.

Um personagem feminino se destaca: a fotógrafa Ashley (Elisabeth Moss, excelente), namorada de Philip, tratada por ele com todo desprezo; ambos vivem juntos até o escritor receber um convite para trabalhar na universidade por alguns meses, o que irá, evidentemente, desestabilizar o casal já em avançado grau de degradação. O convite para morar com Zuckerman é apenas a pá de cal. O velho escritor também é um cara complicado: abandonou a mulher, se envolve com várias, vive com uma filha ressentida e tal. 

O filme lembra muito as produções de Woody Allen - o narrador, a fotografia, a agitação da câmera.

Não se trata, a rigor, da adaptação de um romance em especial, mas vários grandes livros do mestre estão aqui. Uma adaptação, digamos, do conjunto da obra, ou de parte dela. Altamente recomendado para rothianos.

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