Pular para o conteúdo principal

Conto da semana, de Miroslav Penkov

O autor do conto da semana já andou por aqui. Da mesma coletânea East of the West, este Comprando Lenin é bem curioso; o início pode ser lido, em inglês, aqui.

Não se trata de uma narrativa autobiográfica, como Penkov já disse. O narrador está a caminho dos Estados Unidos. O avô, velho comunista, está inconformado com a "traição" do neto, recém-admitido na Universidade do Arkansas. Foram os comunistas que o salvaram da fome na Bulgária em 1944. 

O choque cultural é imediato. Logo no caminho entre o aeroporto e o alojamento, uma estudante dá as boas vindas e uma bíblia ao narrador. Este pergunta do que se trata - estes são os atos do nosso Salvador. E ele pergunta - Oh, as obras completas de Lenin - qual volume?

Penkov conta, então, sobre a adaptação ao novo país e ao novo idioma. É interessante notar que este conto foi escrito originalmente em inglês, e não em búlgaro. E, para quem se interessa por psicologia, a surpresa do narrador ao se deparar com o inconsciente coletivo de Jung.

Ele e o avô mantêm contato, apesar da distância. A avó morre - como o viúvo fala, perdeu tudo o que um homem poderia perder: a mulher que ama e o amor de sua vida - o Partido. O avô reclama da distância. Para ele, a queda do regime matou a mulher.

A vila em que vive perde todos os seus habitantes com menos de 60 anos, que partem para as cidades, em busca de emprego. Secretamente, os remanescentes - o avô, entre eles - resolvem refundar o comunismo; a vila passa a se chamar Leningrado e o avô, eleito secretário-geral do partido. Evidentemente, isso só existe na cabeça senil dos ainda habitantes deste fim do mundo.

Procuram, então, recuperar monumentos recém-demolidos. E o neto, buscando fazer as  pazes com o avô, de quem realmente sente muita falta, resolve comprar, para aquele asilo de loucos, o corpo de Lenin, "em excelentes condições; vem com um caixão refrigerado que funciona tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Compre agora". 

Ele comprou o corpo de Lenin via eBay... Mas não acreditou, realmente, nisso. Pelo objeto e pelo preço - 5 dólares - seria uma fraude como outras tantas na internet.

Na parte final, o reencontro entre ambos. Uma revelação do avô sobre o tal cerco em 1944; a confissão do neto sobre sua infelicidade na América e... surpresa: um caminhão efetivamente entrega para a aldeia Lenin em pessoa!





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa

Conto da semana - Saki

O conto da semana é   A Porta Aberta , de Saki, ou melhor, Hector Hugh Munro (1870-1916). Saki nasceu na Índia; o pai era major britânico e inspetor da polícia de Burma. O autor morreu no front francês durante a I Guerra. Já havia falado dele num post sobre a coleção Mar de Histórias , de Ronai e Aurélio, bem como um curta nacional. Ele está no volume 9. Mas apenas mencionei este conto, de cerca de cinco páginas. O vídeo acima é uma produção britânica de 2004 com Michael Sheen (o Tony Blair do filme "A Rainha") como Framton Nuttel, e Charlotte Ritchie como Vera, a menina de cerca de quinze anos que "faz sala" enquanto sua tia não chega. E começa a contar ao visitante sobre a terrível "tragédia" que se abateu sobre a tia, a Sra. Sappleton. O conto é um dos mais famosos de Saki, conhecido por tratar do lado cruel das crianças.