Pular para o conteúdo principal

Oblómov, de Ivan Gontcharov




Oblómov
Ivan Gontcharov
Tradução de Rubens Figueiredo
Editora Cosac Naify, 2012
736p.

Ficar deitado não era para Iliá Ilitch nem uma necessidade, como é para um doente ou para alguém que deseja dormir, nem um acaso, como é para alguém que está cansado, nem um prazer, como é para um preguiçoso: tratava-se de um estado normal. Quando estava em casa - e sempre estava em casa -, ele ficava o tempo todo deitado, e sempre no mesmo quarto onde o encontramos e que lhe servia de dormitório, escritório e sala de visitas. Sua casa tinha ainda três quartos, mas Oblómov raramente punha os olhos naqueles cômodos, exceto pela manhã, e nem todos os dias, só quando o criado varria seu quarto, o que ele não fazia diariamente. Naqueles cômodos, a mobília estava coberta por panos e as cortinas ficavam fechadas. p. 19.

Carpeaux avisou tratar-se de um romance que exige enorme paciência do leitor moderno - afinal, nas primeiras 150 páginas, Iliá Ilitch Oblómov sequer se levanta de sua cama, em seu apartamento em São Petersburgo. Não é exatamente fácil atravessar suas mais de 700 páginas, mas ao fim o esforço é recompensado. Um romance em que nada acontece - e acompanhamos justamente o "não acontecimento".

O rico proprietário de terras, nos últimos momentos do regime de servidão na Rússia, tem vários planos para implementar, mas acaba desviado por alguma razão, deixa para depois e permanece deitado... Oblomovismo é um termo que passou a ser adotado na Rússia desde a publicação, em 1859, deste romance. 

Deprimido, cheio de ideias que jamais realiza, absolutamente inerte... oblomovismo não deveria ser um termo restrito a um dicionário russo. 

O livro é dividido em 4 partes; durante a primeira, Oblómov está, como disse, em seu apartamento - e é nesta parte que está o capítulo O sonho de Oblómov, o único, aliás, com título. Lá temos a origem de sua personalidade, durante sua infância. Seu fiel servo Zakhar bem que tenta fazer seu mestre sair de tal letargia, mas evidentemente sem sucesso. 

Os outros personagens são Olga e Stoltz. Este apresenta Olga a Iliá, e os dois se apaixonam. Mas a inação de Oblómov fará com que, ao longo das duas próximas partes, o enlace nunca se concretize. Stoltz, por sua vez, filho de pai alemão e mãe russa, é o oposto de Oblómov - metódico, determinado, ousado. Na quarta e última parte, ele acaba reencontrando Olga numa rua em Paris, e os dois acabam se casando. 

Curiosamente, Oblómov é também puro e honesto. E é isso que confere ao romance e ao personagem um caráter único, que o coloca entre os grandes nomes da literatura, como disse Carpeaux. Na última parte, sabemos a chantagem a que é submetido pelos dois golpistas - Tarantiev e Ivan Matvieievitch, e os esforços sinceros de Stoltz em salvá-lo - tudo em vão. 

E fiquei com vontade de ler o último Vila Matas, Ar de Dylan - até onde sei, o personagem Vilnius Lancastre descobre uma sociedade secreta de clones de Oblómov...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n