João tinha tudo a crédito: a relação com os bancos, os amigos, a vida amorosa, a relação com Deus (se existir), com o Diabo (existe, com certeza),
consigo próprio (dúvidas). A mulher aborrecia-o, declamando que era isso que o
subjugava à obrigação de apenas sobreviver. Habitavam um 1º esquerdo, acima
d’As Suas Possibilidades, o café de um prédio apodrecido, e todos os dias
passavam ao lado de Uma Grande Carreira, nome da agência de empregos do bairro,
motivo pelo qual haviam sido estrelas de uma reportagem satírica, emitida no
final do noticiário das oito.
Homem escuro como uma moeda gasta e suspenso como a
situação económica de um certo lado do planeta, começou a cansar-se de ser
escravo de prestações, humores bancários, cobranças pessoais, ressentimentos
com juros. No café onde se cumpria um certo país desconfiado de si, comentou
consigo durante uns minutos que era altura de organizar a papelada das decisões
para por enfim oferecer à vida um sentido que nunca teve.
Assim começa o conto O Fim da Dívida, do português Nuno Costa Santos, da coleção Biblioteca Digital, do jornal Diário de Notícias, que pode ser baixado gratuitamente (mediante cadastro), a partir daqui.
A crise econômica tem rendido várias narrativas interessantes - aqui mesmo já comentamos Catástrofe, de Lee Rourke. Bem que merece uma antologia...
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