Esta semana postei uma entrevista dada pelo Ian McEwan. A interpretação que ele deu ao próprio romance foi considerada horrível pelo professor do filho. Muitos dizem que o autor é um péssimo intérprete da própria obra.
O que dizer, então, dos personagens? Talvez o mais capacitado para falar da obra seja o personagem, e não o autor. Em seus contos reunidos em Words Words Words, o romancista, contista e poeta georgiano David Dephy conversa com personagens de Poe, Hemingway, Kipling, Dickens e Eurípedes.
O narrador - Dephy? - descobre então as verdadeiras versões; não aquelas dos autores, mas da boca de Medeia, por exemplo:
- Mas na mitologia...
- Na mitologia eu sou aquela da realidade - fiel ao meu marido, honesta. E no seu livro eu sou imoral, vingativa, indigna, rasa (...) Por mais de dois mil anos eu tenho sido condenada a sofrer porque o autor acho que esse seria o modo mais interessante para o leitor (...) Os Deuses não me sacrificaram nem me apagaram dos mitos. Eu tenho de sofrer a cada vez que o livro é aberto. Não importa. Eu fecho o livro e tudo volta ao seu devido lugar.
Já n'O Livro da Selva, temos uma conversa bastante instrutiva com a serpente Kaa - que inicialmente fica um pouco frustrada quando descobre que o narrador quer apenas conversar... Admira Santiago que, afinal, luta entre tubarões, no meio do Golfo do México, num barquinho, apenas com a foto da falecida esposa e uma camisa.
E Oliver Twist parece não acreditar que o narrador sentiu alegria ao lê-lo:
- Por que? O que o deixou feliz?
- O que eu posso te dizer? Você, tudo, da primeira à última página.
- Quando eu era muito pequeno e estava naquela casa?
Em cada uma das "entrevistas", o narrador se despede com um "até breve" - no caso, até a próxima leitura. Dephy demonstra não apenas habilidade em construir essas situações e bom humor, mas principalmente ser um leitor atento e que se aprofunda nas obras que tanto admira.
Esses contos foram gentil e diretamente enviados à Biblioteca pelo autor, inédito em português. Defende sinceramente a literatura como uma ponte entre pessoas e povos, e numa relação espiritual entre leitor e escritor. Um autor a ser descoberto pelo público brasileiro.
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