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Mostrando postagens de agosto, 2011

Daniil Harms

O site português  Poesia & Lda  merece uma visita constante. O texto abaixo é de Daniil Harms, pseudônimo de Daniil Ivanovich Yuvachev (1905-1941): CADERNO AZUL Nº 10 Era uma vez um homem ruivo, sem olhos nem orelhas. Também não tinha cabelos, e só por convenção lhe chamávamos ruivo. Não podia falar porque não tinha boca. E nariz também não. Nem sequer tinha braços e pernas. Também não tinha barriga, nem coluna vertebral, nem mesmo entranhas. Não tinha coisa nenhuma! Por isso pergunto de quem estamos nós a falar. Desta forma é preferível nada acrescentarmos a seu respeito.

Ravel e Bozzetto

A História do Mundo, em 13 minutos. Da série Allegro non Troppo. 

O cerco, de Martín Kohan

O conto da semana integra a antologia Os Outros: narrativa Argentina contemporânea, organizada por Luis Gusmán e publicada pela Iluminuras (tradução de Wilson Alves Bezerra). Martín Kohan (n. 1967) é o autor de O Cerco. O narrador, Vidal, é membro das tropas do comandante Centurión, que acabam de chegar às muralhas da cidade de Santa Bárbara, defendida pelo general Montana. Inicia-se o cerco à cidade, mas não há sinais de combate: Seria um erro gravíssimo, indigno dos dotes estratégicos do general Montana, sair à batalha em terreno aberto: não poderia ter outra sorte neste caso a não ser sucumbir. Montana aposta, isso é evidente, na única possibilidade que lhe permite abrigar alguma esperança, por incerta que seja: trata de sustentar sua posição defensiva dentro da cidade. E surge o impasse – as duas partes ficam em posição de espera. O sítio é a forma de levar a cidade, localizada em elevação, à queda, num cerco sem falhas. Este é o caminho da vitória, diz o comandante.

The Hare with Amber Eyes, de Edmund de Waal

Edmund de Waal é um ceramista inglês, que até então não havia se arriscado nas letras. O sobrenome esconde sua origem – é descendente da outrora poderosa família Ephrussi, que até a Segunda Guerra rivalizava com os Rothschild. O fato de ter recebido uma coleção de 264 miniaturas japonesas o levou a pesquisar como esses objetos chegaram à sua família, e como passaram por diversas gerações. E assim, surge uma história de uma família desde Charles Ephrussi (patrono e primeiro grande colecionador de quadros de impressionistas como Manet e Renoir) até o presente. Em Paris, Charles Ephrussi adquiriu a coleção numa época em que o Japão despertava enorme fascínio entre os parisienses no final do século XIX. No entanto, o clima a partir da Questão Dreyfus o levou a alguma cautela, e seu “gosto” foi direcionado para a arte francesa do século anterior – uma boa pedida para um judeu demonstrar seu senso de nacionalidade numa época em que sobre eles recaía a suspeita de traição em favor da Ale

Dvorak e Bruno Bozzetto

A série Allegro non Troppo criada por Bruno Bozzetto sobre algumas composições da música clássica vale uma conferida. Aqui, a Dança Eslava nº 7 de Dvorak.

Thomas Bernhard e o imitador de vozes

O conto da semana é de Thomas Bernhard, que integra o livro de mesmo título (Companhia das Letras, 2009, traduzido por Sergio Tellaroli): Convidado de ontem à noite da Sociedade Cirúrgica, o imitador de vozes, depois de se apresentar no Palais Pallavicini a convite da própria Sociedade Cirúrgica, já havia concordado em se juntar a nós na Kahlenberg para, sempre ali, na colina onde mantemos uma casa sempre aberta a todas as artes, apresentar seu número, naturalmente não sem o pagamento de cachê. Entusiasmados com o espetáculo a que tínhamos assistido no Palais Pallavicini, pedimos ao imitador de vozes, natural de Oxford, na Inglaterra, mas que freqüentou escola em Landshut e exerceu de início a profissão de armeiro em Berchtesgaden, que, na Kahlenberg, não se repetisse, mas apresentasse algo inteiramente diferente daquelas imitadas no Palais Pallavicini, o que ele prometeu fazer. E de fato o imitador de vozes imitou na Kahlenberg vozes inteiramente diferentes daquelas apresentadas

Vem aí - Edison Veiga

Dia 25 de agosto, será lançado o romance do jornalista do Estadão, Edison Veiga. Maiores informações,  aqui .

Noel Coward

Num lugar em que se é obrigado a aturar 30ºC no inverno e a se vestir como se trabalhássemos no Canadá, uma música para cantar enquanto cozinhamos na rua...

Anita Konkka e O Palhaço

Meu pai mentia todos os dias e foi muito bem sucedido. Tornou-se um membro do Partido e um alto funcionário do Ministério da Cultura. Mas minha avó, que considerava a mentira um pecado, passou um tempo num campo de concentração de Stalin. São as memórias de Albertina Vinniyeva, personagem do conto da semana, The Clown (O Palhaço) da finlandesa Anita Konkka (da antologia Best European Fiction 2011 , organizada por Aleksandar Hemon). Sua profissão: palhaça. Mais precisamente, a famosa palhaça Milopa. Achava-se uma espécie de Picasso desta arte. Mas ninguém sabia que eu era uma mulher. As pessoas achavam que eu era um homem fazendo o papel de uma mulher. Talvez por isso eu fosse um palhaço tão bom. (...) Eu era a famosa Milopa e porque o jornal disse que eu era um bom comediante. As pessoas não acreditam em seus olhos e ouvidos, mas sim nos jornais, essa é a razão de ser tão fácil enganá-las. Um dia, antes de uma apresentação, ficou paralisada e sem voz; movia apenas os olhos.

Sentimento do Fim do Mundo, de Willian Delarte

Editora: Patuá ISBN 978-85-64308-07-7 132 páginas 2011 Este post inaugura a primeira parceria da Biblioteca, com a Editora Patuá, de São Paulo. É uma oportunidade para conhecer a produção literária brasileira contemporânea. Willian Delarte inscreve seu nome, com seu Sentimento do Fim do Mundo, entre os autores brasileiros da novíssima geração. Dialoga com Carlos Drummond de Andrade, com quem chega a ter uma “conversa” logo no início. Se em Sentimento do Mundo (1940), Drummond cuida de um mundo prestes a entrar em guerra (os poemas foram escritos entre 1935 e 1940), o Fim do Mundo está igualmente sintonizado com o nosso tempo – e Delarte já o avisa: entramos todos no Mundo virtual que é global, que é individual, que é tudo o que pregam nossos profetas. Redes sociais de comunicação, da ciência do consumo eterno, do espírito diminuto globalizado, prossegue. Em Inicialização Operacional Homem Digital 1.0, vê um elemento – justo o único elemento humano -  que teim

L'Étranger, de Albert Camus

Ler Albert Camus é, para quem está estudando francês, uma oportunidade de ler no original um autor moderno, com uma linguagem mais próxima daquela usada hoje. E é, também, uma oportunidade de ler um dos clássicos do século XX.  Camus (1913-1960) nasceu na Argélia e ganhou o Nobel de Literatura de 1957 (como um autor francês “não-metropolitano”, de acordo com a Academia Sueca). É um livro conciso (a edição brasileira da Record tem cerca de 130 páginas); seus personagens não são muito desenvolvidos e são, acima de tudo, pessoas comuns. O enredo é conhecido até por quem não o leu. Mersault, o personagem central, é  um indiferente: foi assim que recebeu a notícia da morte de sua mãe; foi assim que foi ao cinema logo depois do enterro e mesmo quando comete o assassinato de um árabe. Sua condenação também não o altera. Ele não tem nenhuma vontade ou ambição – ele até aceita se casar, já que faria Marie feliz - mas simplesmente assiste ao passar dos dias... Su

Um poema de Willian Delarte

ÓBITO Decretou-se naquele dia o fim súbito da poesia O único poeta em cena jamais havia escrito, cantado, ouvido, lido, sequer um poema, e nada mudou... Na memória dos que um dia visitaram qualquer linha restou rastros de azia e a incerteza de um triste fonema que se perdia e nada dizia Enterrado vivo, um verso nunca lido dizia que o poema, enfermo de enfisema, ressuscitaria, mas na missa do sétimo dia um padre lingüista comungou num pobre latim a imprestabilidade da poesia; encomendou a Homero, Virgilio e Verlaine, o defunto indigente: “que tirasse da nossa mente todo ruído ou palavra indecente que tivesse mais de um sentido” Por isso, naquele dia o Homem forte se fazia: sem tal patologia, bebia a sorte da morte que não sentia. (Sentimento do Fim do Mundo, Editora Patuá, 2011)

O Pecado do Padre Ondrej, de Jaroslav Hasek (uma história para ler na faculdade de direito)

O conto da semana é novamente de Jaroslav Hasek. O padre Ondrej completava dezoito anos no Purgatório, sem saber o porquê. Seu caso ainda não havia transitado em julgado, e ele vivia perguntando aos Anjos a razão de sua permanência. Um dia, peticionou à Honorável Corte do Último Julgamento, que respondeu que o seu caso não estava previsto para os próximos anos... Anos se passaram. Um belo dia, recebeu uma intimação para comparecer ao Sagrado Senado. Lá chegando, ouviu uma voz: “Estamos estudando o Livro da sua vida. Tudo está bem, com exceção de uma página... Eu te pergunto: você tem um irmão na Austrália?” “Sim”, respondeu. O Senado insistiu, com a solenidade peculiar – você escreveu para ele?, ao que respondeu afirmativamente – para Sydney, em 1882. Então, foi dito que, de acordo com De Retractione vel Librorum Recensione, Santo Agostinho proclama que a crença nos antípodas é uma heresia; como a Austrália é parte dos antípodas, acreditar na sua existência é heresia,

La Marseillaise (1937), de Jean Renoir

Um dos grandes filmes de Jean Renoir, filho do pintor, e que retrata episódios desde a Queda da Bastilha até a deposição de Luis XVI (1793). A criação do hino é um dos temas centrais do filme. O 14 de Julho, na verdade, aparece apenas no início do filme, quando vemos Luis XVI almoçando e se dizendo cansado de uma caçada. O grande personagem, nas palavras do próprio diretor, é o povo francês. Segundo ele, é quem faltava até então - muitos filmes falavam de Napoleão ou do rei, ou mesmo dos principais revolucionários. Mas aqui, não: é o povo.   Para Martin Scorsese, um dos melhores filmes históricos jamais feitos. Renoir exalta a ideia de liberdade num momento em que Hitler já projeta sua sombra por toda a Europa. A invasão da França pelos prussianos não poderia ser mais atual – o filme é de 1937. No final, o rei (interpretado pelo irmão do diretor), fugindo do palácio, observa que as folhas estão caindo mais cedo naquele ano – óbvia a analogia à monarquia. A última cena mostra os ci

O Museu da Inocência, de Ohran Pamuk

ê Editora: Companhia das Letras, Tradução: Sergio Flaksman (do inglês) 568 páginas 2011 “Era o momento mais feliz da minha vida, mas eu não sabia. Se soubesse, se tivesse dado o devido valor a essa dádiva, tudo teria acontecido de outra maneira? Sim, se eu tivesse reconhecido aquele momento de felicidade perfeita, teria agarrado com força e nunca deixaria que me escapasse. Levou alguns segundos, talvez, para aquele estado luminoso tomar conta de mim, mergulhando-me na paz mais profunda, mas ele me pareceu ter durado horas, até mesmo anos. Naquele momento, na tarde de segunda-feira, 26 de maio de 1975, em torno de quinze para as três, assim como nos sentíamos além do pecado e da culpa, o mundo todo parecia ter sido liberado da gravidade e do tempo” (p. 15). A história de Kemal, de família tradicional de Istambul e que aos 30 anos está prestes a se casar com Sibel, e Füsun, uma prima distante e pobre de 18 anos é também a história da Turquia na década de 1970. A et