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Mostrando postagens de 2019

Nobel 2018 e 2019

A Academia Sueca anunciou na semana passada o Nobel de Literatura de 2018 e de 2019. A polonesa Olga Tokarczuk e o austríaco Peter Handke foram os indicados. Os dois autores são bem conhecidos do público europeu. Olga Tokarczuk (1962) já recebeu o Man Booker Prize recentemente pelo romance fragmentado Flights, que comecei a ler justamente no dia em que o Nobel foi anunciado. Prometo escrever sobre ele. Mas o leitor brasileiro terá a oportunidade de lê-la. A editora Todavia publica em novembro o romance Sobre os ossos dos mortos .  A polêmica do ano foi a indicação de Handke, já publicado por aqui. Confesso que só o conhecia de roteiros - ele escreveu alguns para Wim Wenders, como Asas do Desejo . Mas seu nome despertou a ira de boa parte da Europa: ele apoiou os sérvios e Slobodan Milosevic, e relativizou o massacre de Srebrenica, quando milhares de muçulmanos bósnios foram exterminados por forças sérvias, durante a Guerra da Bósnia nos anos 90. A Academia tem uma cert

A Biblioteca à Noite em Copacabana

Imperdível. No SESC Copacabana, a exposição que já correu alguns países e já passou por São Paulo. Quem leu A biblioteca à noite vai reencontrar algumas das bibliotecas comentadas pelo autor - inclusive a dele. 

História da grandeza e decadência de Cesar Birotteau, de Balzac

Balzac é um dos autores mais estudados pelo chamado Direito e Literatura. É quase um curso de direito privado. Quem, no Brasil, viu uma letra de câmbio (não estou falando do pessoal do direito) fora de uma das histórias da Comédia Humana? Se, por exemplo, em Coronel Chabert temos um pequeno tratado sobre o direito das sucessões francês do início do século XIX, em César Birotteau temos uma visão bastante realista do que foi (e, em certa medida, ainda é) a falência para um comerciante honesto (Balzac dedica outro texto ao comerciante picareta, mas fica para a próxima leitura). Aqui temos quase tudo: um comerciante dedicado ao trabalho duro e metódico, que iniciou sua vida como aprendiz de um perfumista. Desenvolveu uma fórmula para a pele, acumulou uma pequena fortuna. Até que resolve investir na especulação imobiliária que se seguiu à queda de Napoleão e ao retorno do rei. Não percebeu que se tratava de um golpe de um antigo assistente - du Tillet, agora frequentador dos altos círc

The red-haired woman, de Orhan Pamuk

Os livros de Pamuk costumam ser longos, coisa de mais de 500 ou 600 páginas. Este, cuja edição em inglês saiu em 2017, minutos e inédito no Brasil (li no Kindle), é bem mais curto, com 250 páginas, mas os principais temas do escritor estão presentes: o conflito entre tradição e modernidade, Ocidente e Oriente. Há também um tom de fábula, bem característico da prosa pamukiana.  O personagem principal - e narrador das duas primeiras partes - é Cem. A ausência de seu pai, militante comunista nos anos 80 na Turquia (em outras palavras, vivia preso ou fugindo do cárcere) o levou a uma quase obsessão com a história grega do Rei Édipo - e do épico persa Shahnameh de Ferdowsi. Duas visões (Ocidente e Oriente) para a mesma tragédia? Um filho que nunca conheceu seu pai o encontra já adulto; nenhum reconhece o outro; ambos lutam e um deles morre - Sófocles mata o pai, já na história de Ferdowsi,  Rostan acaba assassinando o filho Sohrab. Pamuk já havia recorrido a essas duas narrativas e

Machines like me, de Ian McEwan

Ian McEwan Machines Like Me Jonathan Cape 320 p. Orwell escreveu em 1984 o que se convencionou chamar de futuro distópico. O cinema, nos últimos anos, vem abusando, com mais ou menos qualidade, desse, digamos, gênero. Mas apesar de McEwan falar de inteligência artificial e robôs antropomórficos, este Máquinas como eu (li a edição inglesa no Kindle antes da chegada da edição brasileira e atrasei o post) trata, na verdade, de um "passado distópico". Em certa medida, estaria mais para um Complô contra a América, quando Roth imagina o que poderia ter acontecido num eventual governo americano fascista nos anos 30/40. Estamos em 1982 numa Londres diferente: os argentinos efetivamente deram uma surra humilhante ao tomarem as Malvinas, levando à queda de Thatcher. Alan Turing não morreu (bom, na verdade, nem John Lennon...), e por aí vai. Nesse estranho mundo, uma geração de robôs chega ao mercado - Adão, na versão masculina, e Eva. O narrador, Charlie Friend, que a

Parque cultural, de Serguei Dovlátov

Parque cultural Serguei Dovlatov Tradução de Yulia Mikaelyan Kalinka, 166 p. Os últimos anos foram extraordinariamente bons para a literatura russa no Brasil, não só pelas novas traduções, diretas, dos clássicos que líamos a partir de versões francesas ou inglesas, como de autores do século XX que ignorávamos por completo. A Kalinka, por exemplo, vem lançando a obra de Serguei Dovlatov (1941-1990), de quem li este  Parque Cultural , na tradução de Yulia Mikaelyan, que ainda apresenta textos introdutórios da vida e da obra do autor. O narrador em crise encontra trabalho num estranho parque temático, uma Disney para o grande fundador da literatura russa Puchkin. As Colinas de Puchkin. O parque de fato existe. Acho que só os russos levam seus escritores tão a sério.  Na novela, os turistas procuram cada detalhe de sua vida - alguns estrangeiros, claro, mas muitos soviéticos. Ávidos por informações que provavelmente já terão esquecido no dia seguinte; da origem african

The Architect's Apprentice, de Elif Şafak

The Architect's Apprentice Elif   Şafak   Elif Şafak é uma conhecida escritora turca - na verdade, nascida em Strasburgo, em 1971 - eclipsada, ao menos aqui no Brasil, pelo seu conterrâneo mais famoso, Pamuk. Não sei de nenhuma edição brasileira de seus livros, dentre os quais se inclui este The Architect's Apprentice  que, evidentemente, consegui ler no Kindle. O arquiteto, no caso, é o grande Sinan, que no século XVI rivalizava - ainda que não largamente conhecido no Ocidente - com Michelangelo: mais de noventa mesquitas, dezenas de escolas, pelo menos seis aquedutos e dez pontes, diversos mausoléus, mais de trinta palácios e quase cinquenta hamans (os famosos banhos turcos). Sinan viveu até os 99; o romance se espalha entre 1546 e 1632. Mimar (arquiteto) Sinan é um personagem real, e  Şafak  lhe cria um aprendiz, um indiano Jahal, que chega à corte otomana para cuidar de Shota, o elefante do Sultão, no Palácio Topkapi. A partir desses três personagens (Shota

Um bárbaro no jardim, de Zbigniew Herbert

Eu voltei de Lascaux pelo mesmo caminho que havia chegado. Apesar de ter encarado, como se diz, o abismo da história, não tinha a sensação de voltar do outro mundo. Nunca antes tive uma convicção tão forte e reconfortante de que sou cidadão da Terra, herdeiro não só dos gregos e dos romanos, mas quase do infinito. Esse é de fato o orgulho da condição humana e o desafio lançado à imensidão do céu, do espaço e do tempo. O poeta e ensaísta polonês Zbigniew Herbert (1924-1998) chega ao Brasil pela editora Ayiné, na tradução de  Henryk Siewierski . Nesse Um bárbaro no jardim, a diferença entre o viajante e o turista fica mais evidente. Como lembrou Paulo Nogueira no Estadão ( aqui ), não dá para não associar este livro ao Danúbio de Cláudio Magris, que nos apresenta a Mitteleuropa em um livro de difícil categorização: ensaio? Livro de história? Viagens? Memória? Na verdade, é a soma de tudo isso. Basicamente transitando entre França e Itália, Herbert é erudito sem ser pedante

Floresta escura, de Nicole Krauss

Floresta escura Nicole Krauss Tradução de Sara Grünhagen Companhia das Letras, 2018 304 páginas Nesse ínterim, o caso por fim seria decidido pelo Supremo Tribunal, e se Eva Hoffe perdesse, o que era quase certo, os arquivos ocultos de Kafka seriam entregues ao Estado de Israel, e sua falsa morte e a viagem secreta para a Palestina, reveladas ao mundo. Será que Friedman queria se adiantar à história para controlar como ela seria escrita? Moldar, pela ficção, a morte de Kafka em Israel, como Brod tinha moldado a história canônica de sua vida e morte na Europa? Há alguns anos, atraído pelo fato de o filme ser dirigido por Radu Mihaileanu ( O Concerto, Trem da Vida e A Fonte das Mulheres ), assisti a A História do Amor. Só ao final me dei conta de que se tratava da adaptação do romance homônimo da escritora americana Nicole Krauss.  Acabo de ler ao último romance da autora, Floresta Escura. Dois personagens principais - Jules Epstein, um velho e rico advogado (narra

Imobiliária da Biblioteca: o apartamento de Philip Roth à venda

Pela bagatela de 3,2 milhões de dólares, você pode comprar o apartamento de Philip Roth no Upper West Side (West79th Street). É próximo ao Museu de História Natural. Inicialmente, foi usado como studio - Roth vivia a poucos quarteirões de distância, quando ainda casado com Claire Bloom. Depois da separação, Roth passou para sua fazenda em Connecticut, indo ao apartamento em suas raras visitas a Nova York. Você pode ler mais sobre o apartamento  nesta matéria publicada no Wall Street Journal.

Bruno Ganz (1941-2019)

Morreu o ator suíço de filmes marcantes como A Queda! (onde fez Hitler nos últimos dias, numa interpretação magnífica, banalizada pela quantidade avassaladora de memes na selva das redes sociais), Asas do Desejo e O Leitor. Fez também Dust of Time, do grego Theo Angelopoulos, que conta ainda com a Irène Jacobs e o Willem Dafoe, mas não consegui assistir ainda - tipo de filme que, se você não assistiu no cinema ou na era das locadoras, esqueça...

A biblioteca elementar, de Alberto Mussa

Alberto Mussa A biblioteca elementar Editora Record. 2018 192 páginas Este livro encerra o ciclo (Mussa não gosta do termo "série", que de fato não se encaixa ao caso) Compêndio Mítico do Rio de Janeiro, e do qual havia lido apenas  A primeira história do mundo . A cidade agora cresceu. Estamos por volta de 1733, e a história se passa nas imediações do que hoje conhecemos por Convento de Santo Antônio e Largo da Carioca, entre a Rua do Egito (hoje, Rua da Carioca) e a Rua dos Três Cegos (Gonçalves Dias). Àquela época, numa área erma, situada do lado de fora dos muros da cidade (sim, o Rio já foi uma cidade murada, bem de acordo com quem precisava se manter em meio a florestas, índios e franceses - que invadiram a cidade alguns anos antes da história), uma mulher, vestindo o hábito franciscano, tenta entrar em casa sem despertar a atenção, e acaba presenciando um assassinato - dois conhecidos discutem, se atracam, e um acaba disparando contra o outro. Temo