The Architect's Apprentice
Elif Şafak
Elif Şafak é uma conhecida escritora turca - na verdade, nascida em Strasburgo, em 1971 - eclipsada, ao menos aqui no Brasil, pelo seu conterrâneo mais famoso, Pamuk. Não sei de nenhuma edição brasileira de seus livros, dentre os quais se inclui este The Architect's Apprentice que, evidentemente, consegui ler no Kindle.
O arquiteto, no caso, é o grande Sinan, que no século XVI rivalizava - ainda que não largamente conhecido no Ocidente - com Michelangelo: mais de noventa mesquitas, dezenas de escolas, pelo menos seis aquedutos e dez pontes, diversos mausoléus, mais de trinta palácios e quase cinquenta hamans (os famosos banhos turcos).
Sinan viveu até os 99; o romance se espalha entre 1546 e 1632. Mimar (arquiteto) Sinan é um personagem real, e Şafak lhe cria um aprendiz, um indiano Jahal, que chega à corte otomana para cuidar de Shota, o elefante do Sultão, no Palácio Topkapi. A partir desses três personagens (Shota lembra o elefante Salomão, aquele de Saramago em A Viagem do Elefante) Şafak recria o império otomano em seu esplendor, político e cultural.
Falei de Michelangelo. Os otomanos conheciam os planos para a Basílica de São Pedro; no romance, Jahan acaba visitando o mestre italiano em nome de Sinan. A correspondência entre os dois é fato. Michelangelo e Da Vinci foram a Constantinopla a convite do Sultão para projetar uma ponte que atravessaria todo o Chifre de Ouro - que divide os lados europeu e asiático da cidade.
Jahan adapta-se bem à vida da corte. Mas sofre com as investidas do capitão Gareth, que o assombra com a tarefa de furtar objetos do Sultão. Por outro lado, quer se envolver com a filha de Suleiman, Mihrimah - o que, obviamente, não acontece - seria um excesso ficcional imperdoável. A vida na corte não era fácil - na ficção e na História: normalmente com a morte do Sultão, o filho indicado se encarregava de se livrar dos irmãos e suas mães, em geral sobrando para figuras proeminentes do antigo regime. A rede de intrigas acaba envolvendo os personagens, reais ou não, do livro.
Duas obras ganham destaque ao longo da narrativa de mais de 400 páginas: a Mesquita de Selim - Selimiye Camii - em Edirne (Adrianopole) e a Mesquita Süleymaniye, em Istanbul. Esta foi devidamente encomendada pelo Sultão para superar a antiga catedral bizantina de Santa Sofia, convertida em mesquita quando Mehmet II conquistou a cidade em 1453 (hoje é um museu, providência adotada pela república laica a partir dos anos 1920).
Estive em Edirne em 2018, a caminho de Kirklareli. A mesquita de Sinan continua lá, dominando a cidade, e as fotos não estão à altura do arquiteto:
A cidade foi a capital do império de 1361 até 1453, com a conquista de Constantinopla. A mesquita de Selymie foi construída na antiga capital porque, segundo a autora, "por nunca ter liderado o exército no campo de batalha, não gozava (o Sultão Selim) do prestígio necessário para mandar construir um monumento tão grandioso na sede do trono".
"Curiosamente, a mesquita erguida em sua honra ganhava altura na medida em que o Sultão decaía. O homem e o edifício estavam unidos de um modo profundo mas inverso, como a noite e o dia. Para que um existisse o outro deveria perecer. Com cada prego que se martelava e cada pedra que se colocava no edifício, algo lhe era arrebatado: a saúde, a felicidadade, o poder e, por último, o kismet (destino)".
Şafak é uma das mais populares escritoras turcas da atualidade, e tem se destacado como ativista dos direitos humanos, liberdade de expressão e opositora ao presidente Erdoğan.
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