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Um bárbaro no jardim, de Zbigniew Herbert

Eu voltei de Lascaux pelo mesmo caminho que havia chegado. Apesar de ter encarado, como se diz, o abismo da história, não tinha a sensação de voltar do outro mundo. Nunca antes tive uma convicção tão forte e reconfortante de que sou cidadão da Terra, herdeiro não só dos gregos e dos romanos, mas quase do infinito.

Esse é de fato o orgulho da condição humana e o desafio lançado à imensidão do céu, do espaço e do tempo.

O poeta e ensaísta polonês Zbigniew Herbert (1924-1998) chega ao Brasil pela editora Ayiné, na tradução de Henryk Siewierski. Nesse Um bárbaro no jardim, a diferença entre o viajante e o turista fica mais evidente. Como lembrou Paulo Nogueira no Estadão (aqui), não dá para não associar este livro ao Danúbio de Cláudio Magris, que nos apresenta a Mitteleuropa em um livro de difícil categorização: ensaio? Livro de história? Viagens? Memória?

Na verdade, é a soma de tudo isso.

Basicamente transitando entre França e Itália, Herbert é erudito sem ser pedante; detalhista sem se perder em tecnicismos que nos afastam de vários textos que buscam esgotar monumentos artísticos. Pelo contrário: seu texto é de leitura agradável. 

Na bela Orvieto, Herbert explica:

As cidades italianas se diferenciam pela cor. Assis é rocha, se é que essa palavra banal combina com uma tonalidade levemente avermelhada do arenito; Roma se grava na memória como a terracota no fundo verde. Orvieto é marrom dourado. É o que se pode perceber diante do Palazzo del Popolo românico-gótico - um enorme cubo com uma larga varanda suportada por arcos, um telhado plano, eiçado de agulhões e belas janelas com colunas e voluta. O palácio tem a cor de cobre, mas sem brilho, o fogo está no interior: a memória da lava.

Em alguns momentos, me lembrei do Civilização, de Kenneth Clarke, como no ensaio sobre Lascaux, ou quando, a respeito de Chartres, explica que lá selou seu "destino de apreciador do gótico".

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