Balzac é um dos autores mais estudados pelo chamado Direito e Literatura. É quase um curso de direito privado. Quem, no Brasil, viu uma letra de câmbio (não estou falando do pessoal do direito) fora de uma das histórias da Comédia Humana? Se, por exemplo, em Coronel Chabert temos um pequeno tratado sobre o direito das sucessões francês do início do século XIX, em César Birotteau temos uma visão bastante realista do que foi (e, em certa medida, ainda é) a falência para um comerciante honesto (Balzac dedica outro texto ao comerciante picareta, mas fica para a próxima leitura).
Aqui temos quase tudo: um comerciante dedicado ao trabalho duro e metódico, que iniciou sua vida como aprendiz de um perfumista. Desenvolveu uma fórmula para a pele, acumulou uma pequena fortuna. Até que resolve investir na especulação imobiliária que se seguiu à queda de Napoleão e ao retorno do rei. Não percebeu que se tratava de um golpe de um antigo assistente - du Tillet, agora frequentador dos altos círculos comerciais e financeiros de Paris. A história, aliás, começa com César conversando com a esposa, que percebe a arapuca em que o marido está se enfiando.
Uma festa caríssima será seu baile da Ilha Fiscal (o que Balzac não teria escrito se conhecesse o fim da nossa monarquia?).
A descrição de Balzac do processo de falência é precisa. E, também, datada. Na Restauração, os comerciantes eram os principais fornecedores de crédito - ainda não eram os bancos. Du Tillet e o notário Roguin conseguem abalar definitivamente o crédito de Birotteau na praça. O perfumista procura o barão de Nucingen por empréstimos quando já está com a corda no pescoço. A vergonha que sente pela sua situação - ele mesmo era implacável com seus colegas caídos - e o processo de reabilitação, lá pelo final das trezentas e tantas páginas, já com a saúde arruinada.
Como escreveu Carpeaux:
Balzac sabia tudo: das duquesas e dos negócios. Mas assim como
só sonhava de duquesas, assim ficaram-lhe fechados os escritórios dos grandes industriais. As suas próprias empresas fantásticas acabaram todas em
falências. O seu destino comercial tem algo da ascensão rápida e queda
profunda do seu César Birotteau; e este é um fabricante de perfumes, quer
dizer representante de uma indústria antiga, de luxo, profissão de pequeno burguês francês a serviço de gente do “ancien régime”. O próprio Balzac
era burguês; mas pertencia à burguesia antiga, pré-capitalista; enquanto era
romântico, revela-se antes como pré-romântico, descobrindo novos ambientes e reagindo com o pessimismo de um realista por desilusão.
Balzac não está muito na moda, hoje. Uma pena. Se é verdade que muito do que escreveu possa ser acusado de "datado", há obras como Ilusões Perdidas que merecem ser lidas por qualquer leitor digno do nome. A própria editora Globo parece também indecisa. Talvez por causa da crise, a reedição da versão organizada por Paulo Rónai foi interrompida no nono volume.
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