Pular para o conteúdo principal

Um golpe de mestre, de Reha Çamuroglu

 
Um golpe de sorte
Reha Çamuroglu
Resultado de imagem para reha çamuroğlu
Tradução de Marina Mariz
Sá Editora, São Paulo, 2011, 130p.
 
Sultão Vermelho - era com essas duas palavras que todos os adversários do sultão - gregos, armênios, árabes e os Jovens Turcos - o descreviam. Aos sussurros, eles falavam de seus porões de tortura, dos cadáveres que a maré trazia pela manhã e, com ódio, medo e às vezes com uma inveja que não conseguiam ocultar, eles se queixavam desse homem que comandava o império há trinta anos. Contudo, Anna tinha razão. Todos eles pertenciam à elite. Ou tinham bons negócios que arrecadavam muito dinheiro, ou eram filhos de paxás e nobres. Charles via e sentia claramente que as camadas populares amavam o Sultão Vermelho, enquanto a elite - inclusive nos círculos em torno do monarca - o odiava profundamente.
 
Em muitos casos, a literatura de um país se resume, para o público externo, a um grande nome. O Brasil mesmo, lá fora, foi reduzido a Jorge Amado e, nos últimos anos, suprema decadência, a Paulo Coelho. No caso da Turquia, nos últimos (muitos) anos domina o Nobel Orhan Pamuk.
 
Um golpe de mestre, de Reha Çamuroglu, publicado no Brasil pela Sá Editora, tenta quebrar essa situação (a editora já editou meia dúzia de novos autores turcos).
 
O enredo se situa na Constantinopla de 1905, sede do moribundo Império Otomano que não duraria mais vinte anos, sob o reinado do sultão Abdulhamid II, o Sultão Vermelho. Um anarquista belga, Charles Jorris, junta-se à resistência armênia para matar o Sultão. Sabe que a polícia está à sua cola, mas as coisas não são assim tão simples... A participação do próprio Sultão é decisiva para o desfecho da trama.
O jovem Sultão, em 1868
 
A História é pano de fundo para uma história de suspense policial, de leitura rápida, inspirada no poeta Tevfik Fikret. O atentado é real; ocorreu, efetivamente, patrocinado pela Federação Revolucionária Armênia, matando 26 pessoas - e sequer ferindo o Sultão que, apesar de extremamente hábil (ao menos no romance) não teve grande sobrevida: foi deposto em 1909 e foi o último a reinar com poderes absolutos.
 
Um livro interessante, mas não espere grandes detalhamentos históricos.
 
Ah, o poema de Tevfik Fikret está no final do livro:
 
Um baque... fumaça...toda uma multidão
Por uma mão, feroz, maligna, rancorosa
Como num festival, levada de roldão
Fazendo chover sangue, ossos, cabeças...
 
 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei...

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa...

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n...