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Conto da semana, de Cíntia Moscovich


- Judia suja.

Eu, que nunca havia experimentado a sério ser quem era - porque uma menina de nove anos apenas tem nove anos -, passei, de uma hora a outra, a ser judia e a ser também suja - o ódio na boca de Paula fazia com que as duas palavras se equivalessem. Fiquei ali, parada, paradinha, olhando para a menina, que, subitamente, se tornara dona de uma voz tão impositiva que se assemelhava à verdade. Sem sabermos, ela ou eu, obedeciam-se as velhas tradições - era um conhecimento com que os ruins já nascem. O ódio cintilando a ponto de zunir no miolo dos olhos negros, Paula repetiu a ofensa, arrastando-a escandida:

- ju- di- a- su-ja.

Então em mim, pela primeira vez, se abriu uma violenta ferida de sangue, uma hemorragia de raiva e dor grande demais para o espírito de uma menina. E a criança que eu era arranjou ainda ânimo de fazer a pose da insolência, as duas mãos na cintura, e arranjou ainda instinto para retrucar:

- E você é uma bocó. E uma burra.

Pronto, eu, como ela, também obedecia a antigas tradições - pela minha lei de talião, ser bocó e ainda burra era pior do que ser suja.

A vencedora do Prêmio Portugal Telecom de Literatura de 2013 na categoria Contos, Cíntia Moscovich, é a autora do conto da semana, O telhado e o violinista. Integra o livro O reino das cebolas, de 1996.

O conto se inicia com o embate da narradora com Paula. Ela e Paula. Em casa, descobre que sua família também tem uma relação semelhante; no caso, sua avó e os cossacos. A narradora, mais tarde, interrompe uma cerimônia do Yom Kippur para salvar uma galinha, que chocou um ovo.

A galinha é adotada e ganha um nome, Hortênsia. O pinto também vira gente - Fúlvio. E logo em seguida, um acontecimento a marcará (e a sua família) - novamente, envolvendo Paula.

Cintia Moscovich é uma das autoras a manter uma linha importante na literatura brasileira, que vai de Samuel Rawet a Moacyr Scliar, e que inclui Tatiana Levy Salem e Michel Laub, entre outros. Mas, para além dessa referência, há o tema da maldade infantil. Sim, as adoráveis crianças sabem ser crueis como poucos - como autores como Saki deixaram muito claro em seus contos.



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