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Mostrando postagens de junho, 2013

Conto da semana, de Artur Azevedo

E  já que, nos últimos dias, só se fala nele, o conto da semana é em sua homenagem. Aqui, O Plebiscito, de Artur Azevedo (1855-1908), um clássico: A cena passa-se em 1890. A família está toda reunida na sala de jantar. O Senhor Rodrigues palita os dentes, repimpado numa cadeira de balanço. Acabou de comer como um abade. Dona Bernardina, sua esposa, está muito entretida a limpar a gaiola de um canário-belga. Os pequenos são dois, um menino e uma menina. Ela distrai-se a olhar para o canário. Ele, encostado à mesa, os pés cruzados, lê com muita atenção uma das nossas folhas diárias. Silêncio. De repente, o menino levanta a cabeça e pergunta: — Papai, que é plebiscito? O Senhor Rodrigues fecha os olhos imediatamente, para fingir que dorme. O pequeno insiste: — Papai? Pausa: — Papai? Dona Bernardina intervém: — Ó Seu Rodrigues, Manduca está lhe chamando. Não durma depois do jantar, que lhe faz mal. O Senhor Rodrigues não tem remédio s

1565 - Enquanto o Brasil nascia, de Pedro Doria

1565: enquanto o Brasil nascia Pedro Doria Editora Nova Fronteira 280 p. Por que o Rio de Janeiro foi fundado? Como se desenvolveu?  A ideia de Pedro Doria é que Rio e São Paulo, por mais diferentes que pareçam, devem sua existência uma à outra. Trata-se de uma história do "Brasil sul", aquele abaixo de Salvador.  O Rio foi comandado pela família Sá: Mem, Estácio, Salvador, Martim e Salvador (o moço); quatro gerações de uma mesma família. E Pedro Doria enxerga nesse início de vida muito do que viria a caracterizar a cidade - para o bem e para o mal. A Casa de Pedra - Cari Oca, ou Casa de Branco, como chamavam os índios, no Flamengo (na verdade, a vilazinha Henriville, fundada pelos franceses). Da mesma forma, lemos sobre a mudança da cidade, da Urca (Vila Velha, entre o Cara de Cão e o Pão de Açúcar) para a Nova, no Morro do Castelo - aquele que séculos mais tarde seria posto abaixo. Por que morro do Castelo? E o que tem a ver com isso a primeir

Palavras Palavras Palavras, de David Dephy

"E Jasão é abandonado sozinho e eu parto...mas..." "Mas... o quê?" "Aqui o livro chega ao fim e eu me liberto. Porque não estou escrita no livro desse grego estúpido. Eu sou personagem de outro livro - os mitos... Do reino de Aegis, retorno com meus filhos aos mitos, à minha realidade, onde sou feliz..." "Grego estúpido?" "Sim, ele é estúpido, porque chama os grandes cólquidas, no reino do sol brilhante, de bárbaros" "E o que devemos fazer com esse livro que leva teu nome na capa?" "Guarda-o e lê o quanto quiseres. É uma mentira. Os deuses não me sacrificaram e não me apagaram dos mitos. Que eu sofra a cada abertura do livro, não importa. Fecharei o livro e tudo voltará ao seu devido lugar. Não existe mãe alguma que sacrificaria seu filho, mesmo que estivesse amargurada por seu marido ou fado. Ainda mais sendo ela a herdeira do sol, Rainha Medeia".   Os interessantes diálogos de David Dephy

Conto da semana, de Miroslav Penkov

O autor do conto da semana já andou por  aqui.  Da mesma coletânea East of the West, este Comprando Lenin é bem curioso; o início pode ser lido, em inglês,  aqui. Não se trata de uma narrativa autobiográfica, como Penkov já disse. O narrador está a caminho dos Estados Unidos. O avô, velho comunista, está inconformado com a "traição" do neto, recém-admitido na Universidade do Arkansas. Foram os comunistas que o salvaram da fome na Bulgária em 1944.  O choque cultural é imediato. Logo no caminho entre o aeroporto e o alojamento, uma estudante dá as boas vindas e uma bíblia ao narrador. Este pergunta do que se trata - estes são os atos do nosso Salvador. E ele pergunta - Oh, as obras completas de Lenin - qual volume? Penkov conta, então, sobre a adaptação ao novo país e ao novo idioma. É interessante notar que este conto foi escrito originalmente em inglês, e não em búlgaro. E, para quem se interessa por psicologia, a surpresa do narrador ao se deparar com o inconsc

Os Infinitos, de John Banville

Os Infinitos John Banville Tradução de Maria Helena Rouanet Nova Fronteira, 2011 276 p. De todas as coisas que criamos para reconfortá-los, a aurora é uma das que deram mais certo. Quando a escuridão se dissipa no ar como poeira fina e a luz vai se espalhando lentamente a partir do Leste, todos os humanos, a não ser os mais infelizes, se reanimam. Essa ínfima ressurreição diária é um espetáculo que nós, imortais, adoramos. Muitas vezes nos reunimos na borda das nuvens e ficamos olhando para eles, para os nossos pequeninos, vendo-os despertar para saudar o novo dia. John Banville estará na FLIP; dividirá mesa com Lydia Davis. Ainda não li seu romance mais conhecido, O Mar, que lhe rendeu o Booker Prize; este Os Infinitos é minha primeira incursão banvilliana. Adam (Adão?) Godley (God?), famoso matemático, está moribundo em sua cama, depois de ter sofrido um derrame. Á sua volta, o filho (também Adam) com sua mulher, Helen; a filha mais nova Petra e seu namora

Rindfleischetikettierungsueberwachungsaufgabenuebertragungsgesetz

Essa é para você que achava o máximo, quando criança, falar "inconstitucionalissimamente". Esta semana, saiu na BBC que isto, uma lei de um estado alemão, e que significa mais ou menos "lei que delega o monitoramento de rotulação de carne " - mas conhecida pelo adorável acrônimo RkReUAUG, foi definitivamente afastada em virtude de mudanças na regulação da União Europeia sobre monitoramento do gado. Então voltamos à famosa cidade do País de Gales: Dizem que lá ninguém conhece o Twitter.

Conto da semana, de Gonçalo Tavares

O homem mal-educado O mal-educado não tirava o chapéu em nenhuma situação. Nem às senhoras quando passavam, nem em reuniões importantes, nem quando entrava na igreja. Aos poucos a população começou a ganhar repulsa pela indelicadeza desse homem, e com os anos esta agressividade cresceu até chegar ao extremo: o homem foi condenado à guilhotina. No dia em questão colocou a cabeça no cepo, sempre, e orgulhosamente, com o chapéu. Todos aguardavam. A lâmina da guilhotina caiu e a cabeça rolou. O chapéu, mesmo assim, permaneceu na cabeça. Aproximaram-se, então, para finalmente arrancarem o chapéu àquele mal-educado. Mas não conseguiram. Não era um chapéu, era a própria cabeça que tinha um formato estranho.

Uma conexão barroca

Falávamos então do espantoso parentesco entre a sua América Latina e a minha pequena Europa Central, as duas partes do mundo igualmente marcadas pela memória histórica do barroco que torna um escritor hipersensível à sedução da imaginação fantástica, feérica, onírica, E o outro ponto comum: nossas duas partes do mundo desempenharam um papel decisivo na evolução do romance do século XX, do romance moderno, digamos, pós-proustiano: de início, durante os anos 1910, 1920, 1930, graças à plêiade de grandes romancistas da minha parte da Europa: Kafka, Musil, Broch, Gombrowicz (...) depois, durante os anos 1950, 1960, 1970, graças a uma outra grande plêiade que, em sua parte do mundo, continuava a transformar a estética do romance: Juan Rulfo, Carpentier, Sabato, depois você e seus amigos... Milan Kundera - O Arquirromance, carta aberta pelo aniversário de Carlos Fuentes. In: Um Encontro: ensaios, traduzido por Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. Companhia das Letras, 2013