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Mostrando postagens de novembro, 2012

Diário da Queda, de Michel Laub

É o quinto romance de Michel Laub (1973) - o primeiro que leio. Parece que aos poucos a temática vem chegando à literatura brasileira contemporânea, como fez Tatiana Salem Levy. O primeiro capítulo pode ser lido  aqui. As cerca de 150 páginas do romance, lançado no ano passado, são divididas em capítulos bem curtos, narrados em primeira pessoa, com pontos obviamente autobiográficos - ainda que se trate obviamente de uma obra de ficção. O inominado narrador estudava numa escola judaica nos anos 80 em Porto Alegre; havia um aluno não judeu que procurava se inserir na turma. Seu pai, pobre, organizou sua festa de 13 anos - todos os colegas fizeram ou fariam o Bar-Mitzvá.  O pai de João resolveu comemorar os treze anos do filho porque a família nunca tinha dado uma festa (...) mas porque João estava numa escola judaica, e na escola judaica todos faziam Bar Mitzvah aos treze, e em todas as festas o aniversariante era jogado treze vezes para cima, uma espécie de rito de

Maria Keil (1914-2012)

Maria Keil (1914-2012) é considerada uma das maiores artistas modernistas de Portugal; morreu um mês antes de viajarmos. Acima, seu autorretrato (1941). E, abaixo, uma de suas obras, que apareceu outro dia no ótimo  o silêncio dos livros.

Conto da semana - O Primeiro Impulso

O conto da semana é de um autor anônimo persa e está no volume 5 do Mar de Histórias. Apesar de em princípio ter sido escrito por volta do século XII, há aspectos bem atuais - como por exemplo a pouca cerimônia com que os personagens se dirigem a Deus - alguém lhe diria: Ora, essa é boa!...? Tooriri era um cidadão rico de Bagdá, universalmente famoso por suas virtudes. Não se limitava a assistir aos pobres a ponto de, em vez de levar uma existência das mais luxuosas, viver apenas confortavelmente; escutava com a mais delicada paciência as queixas de todos os sofredores que o procuravam, consolava‑os com palavras carinhosas e ajudava‑os de todas as maneiras possíveis . Suportava com resignação as mil e uma pequenas misérias que constituem a maior parte da vida humana. Tolerante em alto grau, não se aborrecia se os outros não lhe partilhavam as opiniões — virtude difícil e rara, pois o desejo secreto de cada homem é que o resto da humanidade lhe seja inferior e, ao mes

Joseph Anton, de Salman Rushdie

Joseph Anton - Memórias Salman Rushdie Tradução: Donaldson M. Garschagen e José Rubens Siqueira Companhia das Letras 614 p. O primeiro presente que recebera do pai, um presente semelhante a uma mensagem numa cápsula do tempo, que ele não compreendeu até virar adulto, foi o nome da família. 'Rushdie' foi uma invenção de Anis. O nome do pai dele fora bem imponente, Khwaja Muhammad Din Khaliqi Dehlavi, um belo nome da Delhi Antiga que caía como uma luva naquele cavalheiro da velha guarda que nos fitava fixamente da única fotografia dele que sobrevivera, aquele industrial bem-sucedido e ensaísta nas horas vagas que morava num haveli caindo aos pedaços no famoso e antigo mulhala, ou bairro, de Ballimaran, um labirinto de vielas sinuosas na área do mercado de Chandni Chowk, onde vivera Ghalib, o grande poeta de língua parsi e urdu. Muhammad Din Khaliqi morreu jovem, deixando ao filho uma fortuna (que ele dilapidaria) e um nome pesado demais para se carregar no mundo

Outro dia de folia, de Eduardo Lacerda

No próximo dia 6 de dezembro Eduardo Lacerda lança o livro Outro dia de folia, pela Editora Patuá (da qual é co-editor).  A última ceia Há regras à mesa como em um brinquedo de quebra-cabeça. / E eu não entendo os dispostos à esquerda dos pais. Restos do pequeno que sentavam ao meio da mesa (como prato que se enche e procura lugar entre as pessoas)./ Já não me encaixo depois que aprendi a olhar de lado e sair por baixo

Nobel de 2012 em Português

Por alguma razão desconhecida, o post sobre as edições em português do Mo Yan, Nobel deste ano, sumiu... Basicamente: a Cosac Naify está com os direitos para o Brasil e caça um tradutor de chinês. Em Portugal, a nova editora Divina Comédia lança Mudanças. E a Ulisseia relança Peito Grande, Ancas Largas.

Conto da semana, de Dragan Radulovic

O conto da semana comemora, ainda, o lançamento da edição de 2013 do Best European Fiction, organizada pelo Aleksandar Hemon. Mais de trinta países e autores, a maioria desconhecida por aqui e mesmo fora de seus países mas, de vez em quando, conseguimos alguma tradução para o Brasil... O conto da semana - O Rosto - se passa na cidade de Budva, a "capital do turismo" de Montenegro, onde vive o autor, Dragan Radulovic (1969). Uma história de horror. O narrador adora o inverno, quando os homens de Budva pescam, jogam cartas e trabalham em suas casas, discutem política, seduzem as esposas dos outros e se preocupam em também não ser traídos. A  capital do turismo só vive mesmo no inverno. No inverno todos tem uma voz e o direito de criar uma esfera de participação na vida pública. Em dezembro o narrador se encontra no restaurante underground mais famoso da cidade, a Tulipa Melancólica. E é interessante como ele ridiculariza a high society -  o que se apli

Conto da semana, de Afonso Cruz

As grades parecem seguras, pintadas de azul, que vai bem com o céu. Mas tenho de reclamar. Onde é que está o meu marido? À minha frente surge um anjo, todo vestido de branco. Quase que ergo a mão para lhe tocar a face, tão jovem, tão bonita, tão cheia de luz. Em vez disso, sai-me uma pergunta seca: onde é que está o meu marido? O anjo fica sem saber o que dizer. Digo-lhe que não me interessa que possam ter achado que o meu marido não era uma boa pessoa, que ele não era pessoa de vir para o Céu. A verdade é que se eu vou para o Paraíso, se o mereço, tenho de ter o meu marido comigo. Que raio de coisa é esta em que passamos a eternidade separados das pessoas que amamos? O anjo diz para me acalmar, mas eu não posso aceitar uma coisa destas. Têm muita luz, mas esquecem-se de quem amamos! O meu marido podia ser mau, mas se amamos pessoas assim o que é que devemos fazer? Viver eternamente sem elas? Que porcaria de paraíso é este? O anjo encolhe os ombros. Nunca pensei que os anjos os en

Philip Roth: I'm done.

Philip Roth acaba de anunciar que Nemesis foi seu último livro. É a pior notícia literária do ano. Na   Folha de S. Paulo .

Jacques Barzun, 1907-2012

Por um acaso, descobri hoje que Jacques Barzun morreu no final de outubro, aos 104 anos. Autor de várias obras, entre elas um livro de mais de 800 páginas - Da Alvorada à Decadência. Escreveu-o aos 92 anos (segundo ele, devido à sua crônica insônia). A ideia, basicamente, de que a civilização ocidental está em franca decadência, rendeu bastante polêmica.  Ele já havia criticado, por exemplo, o currículo universitário americano, como um "bazar", dada a miscelânea de estudos. Era considerado um renascentista; lia e escrevia sobre assuntos variados como baseball e Byron - atacava o que chamava de "gangrena da especialização". Para muitos, era descendente direto de Macaulay e Gibbon. Que eu saiba, o livro está esgotado no Brasil. Estou à sua procura.

Conto da semana, de Tania Malyarchuk

O conto da semana vem do site  World Literature Today.  É da escritora ucraniana Tania Malyarchuk (1983) - O Demônio da Fome. A narradora vive ouvindo as histórias contadas por sua avó, com quem tem uma relação não muito comum. A avó passou fome; na verdade, estava sempre com fome, não amava ninguém, nem mesmo a neta.  As histórias de sua avó tinham um efeito estranho sobre a narradora que, como a autora, tem hoje 30 anos: impedia que ela vivesse as suas próprias. Ela via o mundo pelas histórias que ouvia, e logo percebeu a necessidade de se livrar dessa influência. Para a avó, que não acreditava em alma ou espírito, sua imortalidade estava garantida com as histórias que contava para a neta. Se Sherazade contava as histórias para escapar da morte, a avó contava-as para se tornar imortal, mas sabendo que isso acabaria com a vida da neta... Ela fugiu da avó, mas não de sua influência. Ela continua sem ter as suas próprias histórias. Escapou tarde demais, reconhece. As hi

Mark Boog

Do  Poesia Ilimitada,  um poema do holandês Mark Boog (1970). A tradução é de Maria Leonor Raven-Gomes. TEMPO Não conseguimos enxergar onde estamos, mas sobre esse assunto lemos livros - helicópteros que não levantam voo. Podemos modificar o tempo: por palavras, em nada, no presente, nas nossas cabeças. Tempo, leitor, é teoria que nos suporta. Desapareceram palavras onde nós estávamos, brancas figuras humanas na fita preta da máquina de escrever. Marcados, continuamos. Rastejando pelos montes do tempo que nos impedem a vista, enferrujando nos sifões do tempo: sumiram-se palavras! A fita, a paisagem, a máquina: desfiguramo-las. Resta-nos o prazer da serrazina, o descanso do marcado a ferro e a monumental  fuga em metáforas, em lúcida incompreensão.