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Mostrando postagens de outubro, 2015

Mencken

ISTO E AQUILO O principal conhecimento que se adquire lendo livros é o de que poucos livros merecem ser lidos. O cínico é aquele que, ao sentir cheiro de flores, olha em torno à procura de um caixão. Nunca superestime a decência da espécie humana. A fé pode ser definida em resumo como uma crença ilógica na ocorrência do improvável.  Pode ser um pecado pensar mal dos outros, mas raramente será um engano.  É difícil acreditar que um homem esteja dizendo a verdade quando você sabe muito bem que mentiria se estivesse no lugar dele.  Quanto mais envelheço, mais desconfio da velha máxima de que a idade traz a sabedoria.  Pelo menos numa coisa homens e mulheres concordam: nenhum deles confia em mulheres.  De fato, é melhor dar do que receber. Por exemplo: presentes de casamento. Finalmente passou a ser legal que uma mulher católica recorra à matemática para evitar a gravidez, mas continua sendo-lhe proibido recorrer à física ou à

As torradas de Proust

O manuscrito de Proust E as madeleines seriam, afinal, torradas.  O primeiro dos cadernos,  Le manuscrit du pain grillé  (“o manuscrito do pão torrado”, em tradução livre), contém a primeira de todas as versões do “episódio da madalena”, datada de 1908 – é a versão da torrada com mel. No segundo caderno, Proust recomeça, dessa vez com um  biscotte . No terceiro, intitulado  Le manuscrit des Petites Madeleines  (“o manuscrito das pequenas madalenas” junta duas vozes: a de Proust e a do seu copista, num diálogo sobre o trabalho da escrita. "Estes três cadernos inéditos permitem voltar à genealogía literária do momento mais emblemático do universo proustiano", diz a editora em comunicado.  No seu  site , as Éditons des Saint-Pères explicam também o seu “amor pelos manuscritos, os objectos raros e preciosos” da literatura: “Enquanto o digital avança, nós dedicamo-nos a restaurar a magia da escrita enquanto veículo de um acesso mais intimo e comovente à obra e ao seu

Frick Collection, NY, 2015

Cresci em Nova York, que tem mais Vermeers (oito) do que qualquer outra cidade no mundo. Do que qualquer país (há apenas sete na Holanda). Eu nunca vivi numa cidade sem um Vermeer. É assim que termina o poema Why I love Vermeer, do americano Lloyd Schwartz. E, assim sendo, seu museu favorito em NY é a Frick Collection, na 5ª Avenida com 70, que possui em seu acervo três Vermeers. Considerado um dos melhores museus pequenos do mundo, a Frick vale a visita mas, como ocorre na Morgan Library, passa despercebida e esnobada pela turba de turistas. Melhor assim. Além de Vermeer, encontramos Rembrandt, Van Dycks, Goyas. Há uma sala para Fragonard. Os italianos da Renascença, como Giovanni Bellini, são aquisições de sua filha (ele não gostava). Frick apreciava também os ingleses Turner e Constable. Henry Clay Frick (1849-1919) não era um sujeito fácil. Foi considerado o homem mais odiado da América, devido ao seu notório antissindicalismo e sua participação na repressão a

Dante

A obra de Dante tem uma profundidade estética e intelectual que permite encontrar quase qualquer coisa que se possa procurar nela. Também tem uma espécie de perfeição artística, que é algo milagroso. Numa perspectiva intelectual isso pode explicar-se pela grande inteligência e pela grande capacidade de Dante para assimilar os conhecimentos da sua época e os transformar em poesia, encontrando vínculos entre os diferentes temas que aborda. Mas a beleza da  Divina Comédia  não se pode explicar por razões intelectuais ou técnicas. Tem algo de música, tem algo visual, tem uma beleza conceptual também. Todos esses elementos juntos são, cada um, extraordinários, mas tampouco chegam para explicar o conjunto tão extraordinário da obra. É a obra mais milagrosa da literatura universal . (Alberto Manguel em entrevista ao Público - Ipsilon -  aqui. )

Morgan Library, NY, 2015

Finalmente consegui conhecer a incrível The Morgan Library , em Nova York (Madison com 36), sem dúvida uma das mais bonitas e instigantes que existem.  De quebra, conseguimos ver o último dia da exposição comemorativa dos 150 anos da edição de Alice no País das Maravilhas - não se esqueçam: Monteiro Lobato foi o primeiro a traduzi-la para o Brasil - e outra, sobre Ernest Hemingway entre guerras.  E a Morgan é, além de tudo, uma demonstração da combinação de uma arquitetura do século XIX e do início do XX (o prédio da biblioteca é de 1902-1906) com o que de mais moderno existe em arquitetura - o anexo é assinado por Renzo Piano. Piano foi contratado em 2000 para criar um espaço que integrasse a residência do banqueiro Pierpont Morgan (do séc. XIX), a biblioteca e um anexo, criado nos anos 20, com o crescimento da coleção. O resultado é este aqui: O espaço se tornou público a partir de 1924, e é ponto de romaria para qualquer bibliófilo. Nas prateleiras, obra

Um texto de Svetlana Alexievich

O site (fundamental) Words Without Borders publicou em abril de 2005  The wondrous deer of the eternal hunt  (em inglês), sobre a viúva de um sobrevivente de um campo de trabalho stalinista. Inédita nessas bandas, provavelmente não por muito tempo. O fim do homem soviético foi publicado este ano pela editora Porto, de Portugal. Não a conheço. Mas fiquei curioso. Abstraindo as injustiças com Roth e, em menor escala, outros ficcionistas, é interessante conhecer novos nomes (para nosso universo paralelo no Brasil). Além disso, há jornalismo e jornalismo, e muitos mereceriam o prêmio - Mencken, John Reed, John Hershey e companhia. Será o caso?

Livrarias: Rizzoli (NY)

A volta da Rizzoli, na  1133, Broadway, três quarteirões do Madison Square Park, entre as ruas 25 e 26 .

A literatura europeia do século XX

Basicamente, é isso. (Trampantojo, por Max. El País do dia 2/10)

Uma dupla família, de Balzac

Neste Uma dupla família Balzac usa o que hoje chamamos de flashbacks : a narrativa se inicia com o rico Roger e a jovem operária Carolina Crochard. Terão dois filhos. Na segunda parte, M. de Ganville, advogado promissor, convidado para o tribunal (desde o século 19 parece melhor ser um "magistrado do ministério público" do que um simples advogado), casa-se, por interesse, com a jovem e bela Angélica Bontemps.  E logo percebemos que estamos o tempo todo a falar de Roger Granville - a tal dupla família do título.  Angélica mostra-se fria, austera, uma verdadeira beata, o que torna a vida de Roger insuportável: Uma manhã, o pobre Granville notou, com tristeza e dor, todos os sintomas da carolice em sua casa. Encontram-se pelo mundo certas sociedades nas quais existem os mesmos efeitos  sem que sejam produzidos pelas mesmas causas. O tédio traça em torno dessas casas infelizes um círculo de ferro que encerra o horror do deserto e o infinito do vácuo. Um lar não é então um

Mencken e o Filósofo

O FILÓSOFO Não há registro na história humana de um filósofo feliz: só existem nos contos da Carochinha. Na vida real, muitos cometeram suicídio; outros mandaram seus filhos porta afora e surraram suas mulheres. Não admira. Se você quiser descobrir como um filósofo se sente quando se empenha na prática de sua profissão, dê um pulo ao zoológico mais próximo e observe um chimpanzé na sua chatíssima e infindável tarefa de catar pulgas. Ambos - o filósofo e o chimpanzé - sofrem como o diabo, mas nenhum dos dois consegue ganhar. O Livro dos Insultos

Elias na Corvus Review

Acaba de sair a edição da  Corvus Review , com meu conto Elias. De Ruse, passando pelo Rio e chegando a Milwaukee. O número 3 (Falls) pode ser lido  aqui. Já posso dizer que sou um autor traduzido...

A Vendetta, de Balzac

— Ah! Vocês não são mais corsos — exclamou Bartolomeu, numa manifestação de desespero. — Adeus. Em outros tempos eu os protegi — acrescentou em tom de censura. — Sem mim tua mãe não teria chegado a Marselha — disse ainda, dirigindo-se a Napoleão, que permanecia pensativo, o cotovelo apoiado sobre o pano da chaminé.  — Em consciência, Bartolomeu — respondeu Bonaparte —, não te posso acobertar com minha proteção. Tornei-me o chefe de uma grande nação, sou o chefe da República e devo fazer cumprir as leis.  — Ah!, ah! — fez Bartolomeu.  — Mas posso fechar os olhos — continuou Bonaparte. — O preconceito da vendeta impedirá por muito tempo o reinado da lei na Córsega — acrescentou, falando consigo mesmo. — É preciso contudo destruí-lo a qualquer preço .  A Comédia prossegue.   Em  1800, uma família de refugiados abandona a Córsega e chega a Paris. Bartolomeo di Piombo, sua esposa e sua filha deixam para trás a violenta ilha -  as famílias Piombo e Porta se chacinam mutuam