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O bibliotecário do imperador, de Marco Lucchesi

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O bibliotecário do imperador
Marco Lucchesi
Biblioteca Azul, 2013
112p.


Haverá terapia que atenda às necessidades primárias dos colecionadores de livros, dos que se enamoram do objeto, das partes acessórias e acidentais?

O bibliófilo clássico, na estrita acepção da palavra, não passa de um magnífico idiota. As qualidades intelectuais o denunciam e não sei o que mais admirar, se a falsa erudição a que faz jus, se o oportunismo vigilante, que o denuncia, ou se as unhas ousadas e compridas. O bibliófilo é um lascivo por definição. Poderia presidir a melhor biblioteca da Corte ou o mais lúrido bordel, como o da rua Senhor dos Passos, lançando mão da mesma atitude, entre rameiras e leitores: a língua ferina e o caráter simulado.

Os bordéis e as livrarias perdem com tal figura, a quem importa menos o volume que o conjunto, menos a verdade que a aparência.

Marco Lucchesi, tradutor, poeta, ensaísta e romancista - e poliglota (16 línguas!) recupera a história de Inácio Augusto César Raposo, responsável pela biblioteca pessoal de D. Pedro II. A conspiração que instalou a República se apresenta dentro do próprio palácio; as traições, somadas à incompetência de muitos dos auxiliares mais próximos, estão expostas na breve narrativa de Lucchesi. E recupera, ainda, a história do pajem Rafael, que teria caído morto, aos 98 anos, ao saber da queda de seu imperador. 

Um exemplo? O Visconde de Taunay (O Encilhamento) aparece na biblioteca e, monarquista convicto, não se contém:

Melhor não lhe teriam servido, ao moderno Marco Aurélio, em vez daqueles sessenta mul volumes, de que se rodeou, seis mil baionetas, comandadas por um general sincero e fiel?

Ficção e memória se misturam - personagens como Inácio, Floriano Peixoto, Deodoro e Ouro Preto mas também um certo e fictício barão de Jurujuba. E também uma construção um pouco mais complexa - uma multiplicidade de vozes: a do autor, do revisor, do próprio Inácio, através de sua correspondência.

Inconformado e desesperado com os furtos que o acervo ao qual se dedicara, algo que se agravou com o exílio da Família Imperial, Inácio acabou se atirando nos trilhos da estação de São Cristóvão, sendo então estraçalhado pelo trem, em 12 de maio de 1890. Era de uma fidelidade ímpar a Pedro II. 

Um fim muito parecido, em certa medida, com o de Peter Kien (Auto de Fé de Elias Canetti). A dedicação de ambos aos seus monumentos não suporta o esvaziamento, a pilhagem, a desconsideração de um mundo exterior que lhes é absolutamente dispensável e hostil.

Tal como em O Dom do Crime, aqui Lucchesi constrói uma trama refinada na medida exata, resgatando episódios da história brasileira e da cidade.

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