João Batista de Abreu lembrou em artigo no Observatório da Imprensa: Machado de Assis fala da Criméia em Dom Casmurro; Bentinho é pró-russo.
Manduca vivia no interior da casa, deitado na cama, lendo por desfastio. Ao domingo, sobr a tarde, o pai enfiava-lhe uma camisola escura, e trazia-o para o funo da loja, donde ele espiava um palmo da rua e a gente que passava. Era todo o seu recreio. Foi ali que o vi uma vez, e não fiquei pouco espantado; a doença ia-lhe comendo parte das carnes, os dedos queriam apertar-se; o aspecto não atraía, decerto. Tinha eu de treze para catorze anos. Da segunda vez que o vi ali, como falássemos da guerra da Criméia, que então ardia e andava nos jornais, Manduca disse que os aliados haviam de vencer, e eu respondi que não.
- Pois veremos - tornou ele - Só se a justiça não vencer neste mundo, o que é impossível, e a justiça está com os aliados.
- Não, senhor, a razão é dos russos.
Naturalmente, íamos com o que nos diziam os jornais da cidade, transcrevendo os de fora, mas pode ser também que cada um de nós tivesse a opinião do seu temperamento. Fui sempre um tanto moscovita nas minhas ideias. Defendi o direito da Rússia, Manduca fez o mesmo ao dos aliados, e o terceiro domingo em que entrei na loja tocamos outra vez no assunto. Então Manduca propôs que trocássemos a argumentação por escrito, e na terça ou quarta-feira recebi duas folhas de papel contendo a exposição e defesa do direito dos aliados, e da integridade da Turquia, concluindo por esta frase profética:
"Os russos não hão de entrar em Constantinopla".
(Capítulo XC - A Polêmica)
Mais de século se passou; agora não se trata da Turquia, mas da Ucrânia. Mas estamos novamente falando da Criméia, dos cossacos e dos tártaros.
Comentários
Postar um comentário