- Judia suja. Eu, que nunca havia experimentado a sério ser quem era - porque uma menina de nove anos apenas tem nove anos -, passei, de uma hora a outra, a ser judia e a ser também suja - o ódio na boca de Paula fazia com que as duas palavras se equivalessem. Fiquei ali, parada, paradinha, olhando para a menina, que, subitamente, se tornara dona de uma voz tão impositiva que se assemelhava à verdade. Sem sabermos, ela ou eu, obedeciam-se as velhas tradições - era um conhecimento com que os ruins já nascem. O ódio cintilando a ponto de zunir no miolo dos olhos negros, Paula repetiu a ofensa, arrastando-a escandida: - ju- di- a- su-ja. Então em mim, pela primeira vez, se abriu uma violenta ferida de sangue, uma hemorragia de raiva e dor grande demais para o espírito de uma menina. E a criança que eu era arranjou ainda ânimo de fazer a pose da insolência, as duas mãos na cintura, e arranjou ainda instinto para retrucar: - E você é uma bocó. E uma burra. Pronto, eu...