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Mostrando postagens de dezembro, 2013

Conto da semana, de Quim Monzó

O último conto do ano é sobre a criação de um... conto. Quim Monzó (1952) é um dos principais escritores de Barcelona, e escreve em catalão. Pode ser lido, em português,  aqui. O blog volta dia 4 de janeiro.

Andrés Neuman é o próprio Viajante do Tempo

O Viajante do Tempo Andrés Neuman Tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro Alfaguara, 2011 454 p. Provavelmente encerrei 2013 com um grande livro. Andrés Neuman (1977), argentino que vive em Granada, Espanha, imagina uma cidade, Wandernburgo, situada entre a Prússia e a Saxônia e cujas ruas se movem durante as noites. O livro que acabo de ler foi editado no Brasil em 2011 mas escrito entre 2003 e 2008, ou seja, quando seu autor tinha entre 26 e 31 anos, o que apenas demonstra o meu fracasso... Numa gélida noite de inverno, Hans chega à cidade, em busca, apenas, de um quarto, para prosseguir sua viagem no dia seguinte. Acaba ficando. Não consegue deixá-la. Conhece o realejeiro e uma série de personagens da sociedade local - sua verdadeira razão acaba sendo Sophie Gottlieb, filha de um sólido comerciante da cidade.  O romance se passa em meados do século XIX. Neuman consegue, sem forçar a barra ou cair em didatismos estéreis para um livro de ficção, passá-l

Conto da semana, de José Luiz Passos

Nas manhãs de sábado, no final da minha infância, às vezes íamos visitar Laszlo no Poço da Panela, um dos velhos bairros à beira do Capiberibe. Passada uma parreira espalhada por cima da garagem, ele tinha montado uma oficina com torno de cano e tanque de oxidação. Quando a Alemanha arregimentou a Hungria, os soldados de Hitler devem ter percebido sua mão para as máquinas; mantiveram Laszlo junto aos blindados, preso, porém sempre a postos, e como mecânico de tanques durou até 1945 - para então tomar a famosa rota do Brasil. O conto da semana - Os Outsiders - é do vencedor do Prêmio Portugal Telecom 2013 de melhor romance, e pode ser lido  aqui,  É o primeiro texto dele que leio. Laszlo e suas três consoantes, numa terra cheia de tritongos. Além do universo do imigrante, a constatação de que as lembranças de uma criança de dez anos - ou de noventa, claro - podem não ser muito precisas.

Blue Jasmine (2013), de Woody Allen

Sim, a Biblioteca não perde um Woody Allen, mesmo quando ele não está atuando. Para muitos - não concordo - este é o melhor dos mundos: um filme de, e sem, Woody Allen. Woody Allen interrompe seu tour europeu - Londres, Barcelona, Paris, Roma - continua devendo um pulo por estas bandas (eu pagaria para fazer uma ponta) e volta para os Estados Unidos, mas agora sem que NY seja sua estrela. Na verdade, a história se passa em San Francisco, com flashbacks novaiorquinos.   Novamente, um grande elenco. Cate Blanchett é Jasmine; Alec Baldwin faz o papel de Hal, um milionário picareta, que aplica um grande golpe (lembre-se de 2008). Mas o que incomodou Jasmine não foi isso, mas as puladas de cerca do marido.  Nova pobre, com a prisão (e suicídio) do marido, Jasmine vai buscar abrigo no outro lado do país, na casa da irmã cafona e pobretona, Ginger (Sally Hawkins). Na única chance que teve de melhorar de vida (o ex-marido ganhou um prêmio) caiu na besteira de entregar

Renoir (2012), de Gilles Bourdos

Inesperadamente, este filme ficou em cartaz por várias semanas, o que me permitiu assisti-lo. O filme se concentra na relação entre o velho Pierre-Auguste Renoir (Michel Bouquet), sua modelo Andrée Heuschling (Christa Theret) e o filho Jean - sim, o cineasta. Em 1915, Jean volta para a casa do pai, em Cagnes, no sul da França. O pai já está bem debilitado. Jean está se recuperando de um ferimento (ele serve no front - afinal, estamos na Primeira Guerra) e está descobrindo esta nova arte que é o cinema. Andrée, com quem acaba se envolvendo, é grande entusiasta deste novo rumo - na verdade, eles vieram a se casar; ela foi estrela dos primeiros filmes do grande cineasta, sob o nome de Catherine Hessling, até se separar do diretor. Na primeira cena, ela está chegando à casa do mestre. Tinha apenas 15 anos e disse ter sido indicada pela falecida sra. Renoir; o pintor já está com seus 74 e sofre de artrose. O monte de mulheres que trabalha para Auguste não vai muito com a car

Conto da Semana, de Elvis Hadzic

O conto da semana vem da Best European Fiction (BEF 2014). Elvis Hadzic (1971) é o autor de O Curioso Caso de Benjamin Zec. Bósnio, vive hoje em Salt Lake City - curiosamente, num movimento similar a Hemon e Mehmedinovic. Benjamin não gostava de ciências na escola. Disse ao professor que, na verdade, Newton não estava deitado embaixo da famosa árvore, mas em atividade mais, digamos, escatológica, e descobriu a verdadeira força da gravidade. Afinal, maçãs não ficam caindo das árvores por aí...  Não gostava de ciências, mas adorava ler. A par disso, era um garoto normal. Queria ser um ator, queria ser um ator na Broadway. Até decidir se tornar uma joaninha. No momento em que capturou uma, e a colocou na palma de sua mão, algo violentamente acertou-lhe a nuca. E então Benjamin Zec nunca mais foi visto. Por onde andava? Ninguém nunca soube; tornou-se uma lenda. Muitos diziam que estava nos Estados Unidos. Sim, ele estava lá, nos palcos da Broadway, aclamado pelas massas. E

Ian Buruma e o Ano Zero

O que mais impressionava os visitantes alguns meses depois da guerra era o estranho silêncio . Oficialmente, a Segunda Guerra acabou em maio de 1945. Mas para muitos, em muitos países, vencedores e vencidos, foi o começo de um novo inferno. Tropas russas massacraram alemães; em Berlim, estupraram as mulheres que viam pela frente; os judeus libertos eram extremamente indesejados e, muitas vezes, culpados pelas desgraças vividas e assassinados; acertos de contas entre ocupados e alemães, e uma infinidade de outros massacres. Como dizia o alto-falante em Berlim nesta época: "Soldado, você está na Alemanha. Vingue-se dos hitleristas!" As mulheres, por sua vez,  saíam com os libertadores num, digamos, ritmo e intensidade que chocaram os demais conterrâneos. Os homens sentiam-se humilhados pelos soldados americanos e canadenses. Houve também fome - generalizada. Milhões de alemães étnicos estavam espalhados pelo leste europeu há gerações, e agora viram-se obrigados

Conto da semana, de Cíntia Moscovich

- Judia suja. Eu, que nunca havia experimentado a sério ser quem era - porque uma menina de nove anos apenas tem nove anos -, passei, de uma hora a outra, a ser judia e a ser também suja - o ódio na boca de Paula fazia com que as duas palavras se equivalessem. Fiquei ali, parada, paradinha, olhando para a menina, que, subitamente, se tornara dona de uma voz tão impositiva que se assemelhava à verdade. Sem sabermos, ela ou eu, obedeciam-se as velhas tradições - era um conhecimento com que os ruins já nascem. O ódio cintilando a ponto de zunir no miolo dos olhos negros, Paula repetiu a ofensa, arrastando-a escandida: - ju- di- a- su-ja. Então em mim, pela primeira vez, se abriu uma violenta ferida de sangue, uma hemorragia de raiva e dor grande demais para o espírito de uma menina. E a criança que eu era arranjou ainda ânimo de fazer a pose da insolência, as duas mãos na cintura, e arranjou ainda instinto para retrucar: - E você é uma bocó. E uma burra. Pronto, eu